Título: Cem mil servidores em greve
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2007, Notas e Informações, p. A3

Quase 100 mil servidores federais se encontram de braços cruzados. Esse número equivale a 8,9% do 1,1 milhão de funcionários públicos da União. O grupo parado há mais tempo é o de técnicos do Banco Central (BC). O mais numeroso é o do pessoal administrativo das universidades federais. Também estão de braços cruzados os servidores da Comissão Nacional de Energia Nuclear, do Ibama, do Ministério da Cultura, do Incra e do Datasus.

Ao contrário do BC, cujos funcionários estão negociando um acordo sobre os dias parados para voltar ao trabalho, nos demais órgãos não há perspectivas de solução a curto prazo. Algumas greves foram deflagradas com propósitos meramente políticos. Os servidores das universidades federais, por exemplo, são contra o projeto que converte os hospitais universitários em fundações. O pessoal do Ibama quer a derrubada da MP 366, que dividiu a estrutura do órgão. E os técnicos do BC pleiteiam a retirada do anteprojeto de regulamentação da greve no setor público, elaborado pela Advocacia-Geral da União.

O principal motivo das paralisias, contudo, continua sendo o mesmo de sempre: a reivindicação de reajustes salariais, de planos de carreira e de melhores condições de trabalho. Respondendo aos grevistas, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, afirmou que o governo pode até rever alguns dispositivos do projeto de regulamentação das greves no setor público, mas não tem dinheiro para dar reajustes salariais. Ele alegou que o Orçamento da União para 2007 já prevê gastos com servidores de R$ 118,1 bilhões, cerca de dez vezes mais do que o montante reservado para investimentos. Paulo Bernardo disse ainda que, graças aos aumentos concedidos desde o primeiro mandato do presidente Lula, a diferença entre os salários mais altos e mais baixos no âmbito da União caiu de 18 para 9 vezes. Segundo o ministro, os servidores das categorias inferiores de determinadas corporações, como o Ibama e as universidades federais, chegaram a receber 500% de reajuste, entre 2003 e 2006. Ele reclama ainda do irrealismo das pretensões dos grevistas: ¿As tais defasagens históricas que os servidores alegam só existem se forem da época de Pedro Álvares Cabral. A inflação está em 3% e eles vêm com reivindicações de 30% de aumento.¿

Na realidade, com a explosão de greves do funcionalismo deflagradas por razões salariais, o governo vem pagando o preço por não ter enfrentado com rigor o desafio da reforma salarial na máquina estatal. O governo Fernando Henrique tentou enfrentar o problema, valorizando as chamadas ¿carreiras de Estado¿, mas teve a oposição do PT, que defendia generosos reajustes para os servidores dos escalões inferiores.

Com a ascensão de Lula ao poder, os setores de elite do funcionalismo, sob a alegação de ¿recompor salários defasados¿, continuaram pleiteando reajustes diferenciados. Desde que o governo cedeu aos delegados da Polícia Federal, em 2004, várias corporações do Executivo entraram em greve, exigindo o mesmo tratamento.

A estratégia deu certo. Entre 2003 e 2006, 40 mil servidores integrantes das ¿carreiras de Estado¿ tiveram aumentos superiores a 170%. Agora várias das corporações dos diferentes escalões do funcionalismo do Executivo, invocando o princípio da isonomia, querem receber os mesmos salários pagos aos servidores dos demais Poderes. Para se ter uma idéia do impacto dessa pretensão sobre as finanças da União, o salário médio no Ministério Público é de R$ 13 mil e, no Judiciário, de R$ 12,7 mil. No Executivo, ele é de apenas R$ 3,8 mil.

Foi para tentar deter essa bola-de-neve que o governo incluiu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o Projeto de Lei Complementar 01/07, que limita a despesa com pessoal e encargos sociais no serviço público. Não é por acaso que a derrubada desse projeto é uma das reivindicações dos líderes das diferentes corporações do funcionalismo.

O ministro do Planejamento fez o que dele se esperava quando prometeu ¿endurecer¿ com os setores do funcionalismo que estão em greve. Mas, sem a aprovação do projeto de lei de regulamentação das greves, não há como endurecer.