Título: Em favor das 'igrejinhas'
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2007, Nacional, p. A6
O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) vai ao ponto quando reclama que a reforma política pronta para ser votada na Câmara não toca no essencial: a relação entre representantes e representados. De fato, os três pontos em questão passam ao largo do eleitor.
A troca do voto nominal pelo voto na legenda, cuja direção praticamente ¿escolhe¿ quem será eleito, o financiamento público de campanha e a fidelidade partidária seriam até boas providências se já estivesse resolvida a preliminar fundamental, que é a distância entre o ato de votar e a possibilidade de ¿pilotar¿ o eleito no exercício do mandato.
Do jeito como está proposta, a reforma só reforça o poder das cúpulas partidárias e dá ao governo, via Orçamento, um poder de manipulação que não está ainda nítido, mas obviamente existirá.
Em tese, o financiamento público das campanhas eleitorais barateia os custos, dá condições de igualdade aos partidos, pois a regra de distribuição dos recursos é uma só.
Quando se deu ao Congresso a possibilidade de intervir no Orçamento da União por meio das emendas parlamentares, também se imaginava que a norma seguiria os preceitos da impessoalidade. O que se vê, no entanto, é a instrumentalização da liberação dos recursos de acordo com os interesses do Executivo.
A deformação aí, e também em outros pontos, está nas condutas dos homens. Como estes e aquelas permanecem os mesmos, lícito supor que quem tem o poder sobre as verbas destinadas a campanhas (os governos) logo achará um jeito de usá-las em prol de suas conveniências.
Além do mais, já se disse e nunca é demais repetir: nada, rigorosamente nada, garante que a destinação de R$ 7 para cada eleitor aos partidos fará cessar a prática do caixa 2, que pertence ao mundo da ilegalidade e, à sorrelfa, continuará a ser utilizada.
Com o financiamento, os partidos só terão mais verbas garantidas, tal como já têm o dinheiro do Fundo Partidário.
Portanto, no que concerne ao eleitor - a moralização dos gastos - a nova regra não necessariamente altera os costumes, pois quem quiser burlar, burlará sem grandes riscos de ser punido pelo eleitorado, já que o sistema de votação permanece disperso, com a maioria sem saber direito em quem votou e tampouco se interessando muito pelo assunto.
As listas fechadas também se prestam a uma argumentação teórica e a uma contestação prática. Em tese, é uma boa medida, pois reforçaria os partidos na medida em que não se vota em pessoas, mas na legenda.
Mas, é de se perguntar, quais legendas?
Essas que estão aí, dando um vexame atrás do outro, aprovando a filiação e aceitando a candidatura de qualquer um, sem nem ao menos observar a exigência de biografias respeitáveis, no lugar de verdadeiros prontuários policiais que, descobre-se aqui e ali, compõem a vida pregressa de parlamentares.
Às direções só interessa o potencial de votos ou a importância dos pretendentes a excelências dentro da estrutura partidária. Esse pessoal é que, a partir da aprovação da lista fechada, vai escolher os integrantes do rol e a ordem de entrada em cena deles na vida parlamentar.
É possível dizer que há, nesse ponto, alguma modificação que atenda à demanda do eleitor, hoje totalmente voltada para o desejo de ver os parlamentares exibirem tão somente um comportamento razoável? Não há a menor relação de causa e efeito entre uma coisa e outra.
Quanto à fidelidade partidária, nem seria necessário votar a proposta em tramitação, pois ela está aquém da interpretação já feita pelo Tribunal Superior Eleitoral, cuja clareza é meridiana: a Constituição diz que os mandatos pertencem aos partidos e não aos parlamentares. Quem for eleito por uma legenda e mudar para outra perde a vaga no Parlamento.
Por enquanto, se faz ouvidos surdos a essa interpretação, o que dá a medida da disposição das cúpulas de realmente mudar o que precisa ser mudado.
Nessa mesma categoria de incongruências convenientes podemos incluir outros atos dos partidos que, diante de boas oportunidades de reformar, preferiram se preservar.
Barraram a cláusula de barreira, que impunha porcentual mínimo de votação para as legendas conseguirem representação no Congresso e derrubaram a obrigatoriedade de as alianças eleitorais nos Estados seguirem a regra adotada no âmbito nacional.
Apostaram na desorganização e na permissividade que os favorece e continuam sem prestar atenção no favorecimento do eleitor. Dois exemplos? Voto facultativo e sistema distrital de votação. Mas sobre isso não querem ouvir falar. Ameaça as ¿igrejinhas¿.
Cravo e ferradura
No oficial, o Palácio do Planalto confirma a nomeação de Mangabeira Unger na Sealopra (Secretaria de Ações de Longo Prazo). No paralelo, informa-se que o filósofo de Harvard ¿está fora¿.
Ou há desinformação ou fritura prévia. Seja qual for o caso, saúda-se o fato de que arrependimento não mata. Se matasse, não sobraria um para contar a história.