Título: Não foi desta vez
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2007, Economia, p. B2

Ontem o mercado de câmbio praticamente ignorou duas decisões do Banco Central tomadas na semana passada: o corte dos juros básicos (Selic) em meio ponto e a restrição das 'posições vendidas' de moeda estrangeira pelos bancos. Apesar das novas compras do Banco Central, a cotação voltou a despencar. Fechou a R$ 1,9405, queda de 0,99%.

Isso reforça os argumentos de que nem os juros básicos (Selic) nem as operações no câmbio futuro são relevantes para explicar a escorregada no câmbio. De setembro de 2005 para cá, a Selic já caiu 7,75 pontos porcentuais. Se tivesse a ver com o câmbio, algum efeito essa queda já deveria ter provocado.

Quem sustenta que correm soltas as operações de arbitragem com juros e que isso mexe com o câmbio está carregado de razão. Mas isso pouco tem a ver com a Selic. Quando o importador obtém lá fora um financiamento de dois anos para pagar encomendas, a juros de 7% ao ano, e, enquanto isso, vende sua mercadoria no País e usa o resultado das vendas para alavancar seu negócio, ele dispensa crédito para capital de giro pelo qual os bancos cobram 60% ao ano. É uma operação de arbitragem que tira proveito da diferença entre juros internos e externos. Mas trata-se aqui de juros cobrados na ponta do crédito e não na Selic. Ao antecipar o câmbio, o exportador também se livra de ter de buscar capital de giro nos bancos e, outra vez, a Selic nada tem a ver com isso. Há meses, os juros no desconto de duplicatas giram em torno de 51% ao ano e no crédito direto ao consumidor, em 45%.

As principais portas de entrada de dólares são o comércio exterior e os investimentos estrangeiros. Isso dá mais de US$ 60 bilhões por ano. A Selic vai cair ainda mais e não provocará coceira no câmbio enquanto as exportações continuarem esbanjando exuberância, enquanto os investimentos viverem essa explosão e enquanto na ponta do crédito os juros continuarem onde estão.

Boa pergunta é até que ponto o Banco Central poderá reduzir os juros em meio ponto por vez. Houve quem identificasse no último comunicado do Copom a expressão 'neste momento' como indicação de que o Banco Central não se compromete com quedas futuras em doses de meio ponto.

Aí fique claro que já não estamos falando de impacto dos juros sobre o câmbio, mas de impacto sobre a inflação. O Banco Central poderá afrouxar por mais três ou quatro meses a política monetária em meio ponto sem prejuízo para a meta de inflação. Bastará comprar menos dólares, caso a meta fique ameaçada.

Os economistas parecem concordar que o efeito dos juros sobre a inflação leva cerca de seis meses para aparecer. O efeito do câmbio (pass trough) sobre a inflação é mais rápido, cerca de três meses, porque o dólar barato reduz mais rapidamente os preços dos produtos importados e inibe as remarcações (para cima) dos preços internos. O preço provável disso será conviver com um dólar ainda mais barato.