Título: O nome da crise
Autor: Krameer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2007, Nacional, p. A8

A cada vez que se acrescenta um ponto a esse conto de bruxas em que se transformou o simulacro de investigação interna sobre a conduta do presidente do Congresso, a crise vai deixando de responder pelo nome de Renan Calheiros e assume a identidade do Senado da República.

É o Senado - ressalvadas as conhecidas exceções - que não se dá ao respeito e se deixa abraçar por seu presidente no limiar do afogamento.

Em Calheiros podem-se apontar vários defeitos, alguns já em cartaz. O mais gritante, e agora dado conhecido do público, é sua capacidade inesgotável de misturar o público com o privado e, no exercício da presidência do Congresso, usar e abusar desse poder em causa própria.

Neste aspecto, foi muito além de Jader Barbalho que, envolvido em denúncias de desvio de dinheiro do Banpará, afastou-se da cadeira de comando para não constrangê-los à defesa do indefensável.

E, por indefensável, considere-se não necessariamente só a comprovação de acusações, mas a percepção de que vantagens podem ter sido recebidas e comportamentos indevidos adotados. À luz da lógica das relações entre o Estado (aí incluídos políticos com mandatos) e a sociedade, quando o parlamentar passa a ser percebido como autor de conduta condenável, andou-se meio caminho em direção à incompatibilidade com o decoro exigido.

Mas tratávamos acima dos defeitos do senador Calheiros. Por mais que se evidencie seu equívoco (intencional) na confusão entre a liturgia do cargo e o exercício do direito de defesa - explicitada nos usos indevidos da cadeira presidencial, da residência e do gabinete oficiais para reuniões da tropa de choque, da hierarquia funcional na mobilização de assessores da Casa, da força política do posto para conduzir dos bastidores o desempenho de seus aliados no Conselho de Ética - equívoco e confusão (intencionais) maiores comete o colegiado ao se submeter docilmente aos ditames do presidente.

Algo está muito fora do lugar quando um conjunto de experientes senhores e senhoras presumidamente ciosos de seus deveres para com a Federação por eles representada no Legislativo quedam-se quase submissos ao atendimento das conveniências de um só senador que, além de tudo, deve a eles a eleição para o posto.

Se aceitam deliberadamente participar de uma ação de desmanche do que resta das respectivas reputações e da credibilidade do Senado devem ter boas razões. Se é por convicção da inocência do senador, já deveriam ter sido capazes de demonstrá-la.

Mas se é precaução pela lembrança do aviso aos navegantes dado por Renan Calheiros aos primeiro acordes do escândalo - dizendo em meias palavras, mas suficientemente claras à platéia de bons entendedores, que não subiria ao cadafalso só -, aí o caso é de septicemia em caráter terminal.

Crime e castigo

A história de que Mônica Veloso teria tentado ¿vender¿ por R$ 20 milhões ao presidente do Senado um dossiê contra ele já circula entre políticos desde antes do escândalo.

Admitindo-se como veraz a versão da chantagem, ficam em aberto as questões: por que o senador não registrou queixa por tentativa de extorsão? Se a moça cobrou R$ 20 milhões, lícito supor que acreditasse na possibilidade de o senador ter por algum meio acesso a montante dessa ordem, pois não?

Peixe frito

Caricaturas à parte, a nomeação do professor Mangabeira Unger para a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo suscita dúvida sobre sua razão de ser.

Ninguém no governo quer o professor, frito em óleo incandescente desde o anúncio da escolha.

O presidente Lula não quer (é o que se depreende das palavras da assessoria presidencial), o PT não quer, os subordinados se inquietam e o chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Secretaria, coronel Oliva Neto, demitiu-se em caráter preventivo.

Consta que o vice-presidente da República, José Alencar, quer; mas ainda não explicou por quê.

Relatividade

É esquisito o conceito de Lula sobre o que seja ofensa. O correspondente do New York Times, Larry Rohter, quase perde a renovação do visto de permanência no Brasil por publicar o disse-me-disse corrente sobre o gosto do presidente da República por bebidas alcoólicas.

Já Mangabeira Unger o chamou de corrupto, pregou seu impeachment e ganhou um ministério.

Aos amigos

O reajuste de até 140% nos salários dos mais de 20 mil ocupantes de cargos de confiança e a criação de 600 novos cargos dessa natureza na administração federal é uma ação entre amigos.

Tais cargos são nomeações, em sua quase totalidade, político-partidárias. O aumento beneficia os partidos, recompensa o fisiologismo e, no caso do PT, que cobra dízimo de seus filiados, engorda o caixa do aparelho.