Título: São Paulo serve de abrigo para africanos
Autor: Perez, Angela e Barba, Mariana Della
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2007, Internacional, p. A18

Uwamaria Safi Raha, uma ruandesa de 36 anos, já vive no Brasil há 2 anos e 5 meses. Partiu de Ruanda sem saber para onde ia, deixando cinco filhos para trás. Recebeu ajuda de um amigo, um empresário congolês que conhecia o Brasil. Ele lhe deu uma passagem e um passaporte de outra pessoa e Uwamaria partiu para um país desconhecido.

Durante o genocídio em Ruanda, iniciado em abril de 1994, Uwamaria vivia na República Democrática do Congo (então Zaire) com seu marido. Mas teve muitos de seus parentes - que assim como ela eram tutsis - assassinados por ruandeses de etnia hutu. Mas mesmo estando no Congo, Uwamaria viveu o horror da guerra. Uma noite, em 1997, vizinhos armados com paus e facas invadiram sua casa, dizendo que sabiam que ali havia ruandeses. Os congoleses os hostilizavam dizendo que eles haviam levado a guerra para lá.

O marido de Uwamaria foi morto e ela desmaiou. Ao acordar, juntou os cinco filhos e fugiu a pé para Ruanda. Foi morar em Kigali, a capital, e começou a trabalhar em casa como cabeleireira, mas não se sentia segura. ¿A guerra tinha acabado, mas não de verdade, pois as pessoas viviam com medo da perseguição, da rivalidade que ainda existia¿, disse Uwamaria ao Estado.

Seus pais estavam mortos e sete de seus oito irmãos haviam fugido da guerra. Ela nunca mais soube nada deles. Deixou os filhos com um irmão que é soldado no Congo, sabendo que estariam seguros e partiu para o Brasil. ¿Na guerra, a gente perde tudo, a vida, os filhos. Você não pode trabalhar, estudar, não tem nada, nenhuma felicidade. Você não pode fazer projetos, pois não sabe se haverá um amanhã. Na guerra, você vive só o dia¿, disse.

Casou-se novamente, com um congolês, e teve um bebê. Aprendeu a falar e a escrever o português, fez cursos de especialização de cabeleireira e pretende montar seu salão. Mas, por enquanto, não pensa em trazer os filhos. Ela diz gostar do Brasil. ¿Aqui as mulheres têm mais liberdade.¿

A esperança de uma vida melhor no Brasil é compartilhada por Domingos, de 31 anos, que fugiu de Angola há sete anos para não ter de ir para a guerra. Apesar de o conflito ter terminado, ele pretende ficar no Brasil, onde trabalha com sucesso como artista plástico. ¿Vários parentes e amigos morreram ou voltaram para casa mutilados pelas minas terrestres¿, disse Domingos, que não quis ter seu sobrenome publicado.

Ele recebeu ajuda de um parente, que era militar, para obter o passaporte e passar pela polícia no aeroporto de Luanda. Após obter o status de refugiado, conseguiu trazer para o Brasil a mulher, um filho de 3 anos e outro com alguns meses.

Vindo da Costa do Marfim, Adama Sanogo ainda espera obter o status de refugiado. Ele conta que quem o trouxe ao Brasil foi o destino. ¿Não sabia que vinha para cá. Meu tio me colocou num barco para eu fugir do meu país. Vinte dias depois, desembarquei no porto de Santos¿, contou o muçulmano.

Jurado de morte pelos rebeldes que dominavam o norte do país e já tinham matado quase toda sua família, Adama fugiu para San Pedro, no sul. ¿Mas havia rebeliões por toda a parte. Nenhum lugar era seguro, e cedo ou tarde eles iam me pegar.¿

Em São Paulo há cinco meses, ele estuda português e mantém sua rotina de orações. ¿Adoro o Brasil. Não quero voltar porque mesmo se hoje você me disser que as coisas estão bem, amanhã recomeça a guerra. É sempre assim na África.¿