Título: Cresce número de refugiados no Brasil
Autor: Perez, Angela e Barba, Mariana Della
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2007, Internacional, p. A18

De uma só vez, tudo que os ligava à sua história desaparece. A casa, a família, os amigos, as raízes ficam para trás - muitas vezes para sempre. Mas eles também deixam no passado conflitos, perseguições, medo. E fogem. Milhões de pessoas repetem esse cotidiano, lembrado hoje, no Dia Mundial dos Refugiados.

Segundo relatório divulgado ontem pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), o número de refugiados no mundo é o maior desde 2002, passando de 14 milhões. Em 2006, houve um crescimento de 14% com relação ao ano anterior, em grande parte provocado pelo conflito no Iraque. Até o final de 2006, mais de 1,5 milhão de iraquianos haviam solicitado refúgio em outros países, principalmente na Síria e na Jordânia.

No Brasil, há cerca de 3.500 refugiados, vindos de 69 países - aumento de 14% em relação a 2005. O número pode ser maior, já que o Acnur está fazendo um levantamento na Amazônia para saber quantos colombianos cruzaram a fronteira fugindo da guerra civil no país vizinho - estima-se entre 10 mil e 15 mil, mas poucos pedem o status de refugiado. Do total oficial de refugiados, 78% é do continente africano. É o caso de Uwamaria Safi Raha, Adama Sanogo e Domingos, que fugiram das guerras em seus países - Ruanda, Costa do Marfim e Angola, respectivamente (leia mais ao lado). Com a ajuda de parentes ou do destino, desembarcaram no Brasil para tentar reconstruir suas vidas.

Os refugiados chegam por barco, avião ou mesmo, no caso dos colombianos, cruzando a fronteira a pé. Fogem de seus países temendo a violência e a perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política, grupo social ou violação dos direitos humanos.

Após manifestar o desejo de permanecer no Brasil como refugiado, o imigrante é encaminhado à Polícia Federal e depois à Cáritas Arquidiocesana de São Paulo ou do Rio de Janeiro, que têm um convênio com o Acnur.

A Cáritas tem três programas principais de atendimento: proteção (cuidando dos aspectos jurídicos e regularização de documentação), integração (cursos de português e profissionalizante) e assistência social (moradia, alimentação e saúde).

O processo de aprovação do status de refugiado dura cerca de três meses e nesse período o imigrante passa por duas entrevistas, que depois são analisadas por representantes do Acnur, do Comitê Nacional dos Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça, e da sociedade civil (Cáritas).

Durante esse período, os solicitantes ficam em albergues conveniados à Cáritas, como a Casa do Migrante, a Casa das Mulheres ou o Arsenal da Esperança. Eles fazem cursos de português ou profissionalizantes com os conveniados Sesc, Sesi e Senai.

Após serem aprovados como refugiados, recebem um Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), renovável a cada dois anos, e passam a ter os mesmos direitos dos estrangeiros que residem legalmente no Brasil. Por cerca de seis meses, após a aprovação do status, os refugiados recebem uma ajuda de subsistência do Acnur. O Conare tem uma verba anual do governo que é usada em um programa de saúde mental para os solicitantes de refúgio.

A verba destinada pela sede do Acnur em Genebra ao Brasil é muito menor que para os países africanos onde há campos de refugiados. Segundo a Cáritas, a idéia é que, aos poucos, o governo brasileiro assuma parte desse orçamento com os refugiados.

DE ONDE ELES VÊM

Costa do Marfim (2002-2007): O conflito envolveu tropas do governo e forças rebeldes, constituídas principalmente por soldados amotinados. Deixou mais de 1.500 mortos

Angola (1975-2002): Guerra entre forças do governo esquerdista e guerrilheiros direitistas da Unita. Estima-se que mais de 500 mil pessoas morreram

Ruanda (1990-2002): Conflito étnico entre tutsis e hutus, que incluiu o massacre de 1994 de tutsis e hutus moderados, deixou mais de 3,8 milhões de mortos

República Democrática do Congo (1996-2003): Duas guerras foram travadas durante esse período e foram iniciadas quando o país ainda se chamava Zaire. Elas envolveram as forças do governo, apoiadas por Angola, Zimbábue e Namíbia, e guerrilheiros, apoiados por Ruanda e Uganda. Nas duas guerras morreram mais de 4 milhões de pessoas.