Título: O caso de Renan Calheiros
Autor: Mellão Neto, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2007, Espaço Aberto, p. A2

O fato que mais me chocou na apresentação da defesa do presidente do Senado, Renan Calheiros, foi o fato de ele a ter feito da cadeira presidencial, e não da tribuna. Pode parecer um episódio apenas simbólico, mas não é. Na tribuna, ele se apresentaria apenas como um homem público alvo de denúncias. Na poltrona da presidência, ele demonstrou toda a sua arrogância, dando a entender que toda a instituição estava sendo atingida, e não somente ele. Aliás, Renan Calheiros deu seguidas demonstrações de que era essa mesmo a sua intenção, a sua principal linha de defesa. Há homens que, quando assumem certas posições, elevadas, acreditam realmente ter ultrapassado a barreira do bem e do mal, pairam acima disso. O senhor Renan Calheiros, no meu julgamento, não cheirava nem fedia. A partir desse momento, passou a feder.

A vida pessoal dele não me interessa. O fato de ele ter tido uma filha de uma relação extraconjugal é uma fraqueza que pode acontecer com qualquer um. À diferença da opinião pública norte-americana, os deslizes morais da vida privada dos homens públicos, para nós, brasileiros, não interessam a ninguém. O que realmente importa é a maneira como ele lidou com o caso.

Simplesmente recorreu aos préstimos de um lobista de uma grande empreiteira de obras públicas para fazer os pagamentos - ao que consta, em dinheiro vivo - da pensão da mãe de sua filha. Ele jura que o dinheiro era seu. Fica a dúvida. Se realmente era dele, Renan, por que não teria recorrido a simples transferências bancárias, como fazem todos os cidadãos comuns? Por que pagaria, em dinheiro em espécie, por intermédio de um lobista? Primeiro, alegou que o dito lobista era amigo de ambas as partes - dele, Renan, e da mãe da criança -, o que facilitaria as coisas. O fato foi logo desmentido: a mãe da menina declarou que conhecera o referido cidadão por intermédio do senador e não era sua amiga. Primeira mentira. Depois, declarou que tinha recursos próprios legais suficientes para arcar com os custos da pensão da criança. Não tinha. Segunda mentira. E assim a sua situação se foi complicando.

O mais provável, ao menos aos olhos de cidadão comum, é que a empreiteira ou o seu lobista tenham resolvido dar uma 'mãozinha' ao promissor senador da República (na ocasião, ele ainda não era presidente do Senado) e bancado as suas despesas imprevistas. Era um bom investimento, porque era relativamente barato, e com isso a autoridade ficaria eternamente grata, haja vista que apresentou emendas que favoreceram a empreiteira em valores infinitamente maiores e lutou, nos bastidores, pela sua liberação. São estes os tais valores republicanos de que tanto nos falam os próceres do atual governo.

Se o todo-poderoso presidente do Senado, Renan Calheiros, o homem que faz e desfaz ministros, se encontra hoje numa situação delicada, vamos convir, o mérito não é da classe política, e sim, exclusivamente, da imprensa, sempre tão vilipendiada pelos poderosos. Renan Calheiros navegava em águas calmas até que a revista Veja, três edições atrás, levantou o cabeludo episódio da pensão da mãe de sua filha e a forma como essa pensão era paga. Já na segunda-feira seguinte, do alto de sua cadeira de presidente do Senado, Renan Calheiros rebateu todas as acusações, com ar compungido, como se tivesse sido atingido em sua honra pessoal, deu o caso por encerrado, afirmou que o ataque não era a ele, mas sim ao Senado como um todo, e foi cumprimentado pelo que havia de mais significativo da classe política nacional. O episódio ter-se-ia encerrado ali se a Rede Globo, no Jornal Nacional, não tivesse contestado as suas declarações, apresentando uma série de inconsistências em suas palavras. Os jornais do dia seguinte seguiram a Globo e se tornou inevitável a convocação do Conselho de Ética do Senado, providência que os senhores senadores tomaram com muito má vontade e compuseram de forma que o processo fosse arquivado o mais rapidamente possível.

Não deu. A inconsistência das provas de defesa apresentadas pelos advogados de Renan Calheiros era tão gritante que o próprio Conselho de Ética, com relator, presidente e maioria pró-Renan, se acautelou e decidiu adiar sucessivamente a votação do pedido de arquivamento. Dois relatores, temerosos pela sua reputação, optaram por renunciar. Surgiram vozes, como as dos destemidos e impolutos senadores Pedro Simon e Jefferson Peres, exigindo não menos do que a renúncia de Renan Calheiros do cargo de presidente do Senado Federal. O presidente Lula, como é de seu feitio, já lavou as mãos. Apesar de reiterar solidariedade a Renan em telefonemas pessoais, ao que tudo indica, não moverá uma palha para tentar salvar o seu aliado. Os homens públicos, como os elefantes, quando estão para morrer, devem fazê-lo longe da manada.

No meu entendimento, Renan Calheiros não se mostrou à altura do alto posto que ocupa e, assim sendo, o melhor que ele tem a fazer é mesmo renunciar.

Os homens públicos não são nem devem ser cidadãos comuns. No homem comum se admitem pecadilhos e deslizes éticos. No homem público, jamais. Justamente por serem públicos, as suas atitudes devem ser impecáveis, para servirem de exemplo para os demais.

Quando, numa palestra a estudantes de Direito, indagaram a Abraham Lincoln se era possível ser ao mesmo tempo político e honesto, ele respondeu: 'Se vocês acharem que não é possível, contentem-se em ser honestos sem se atreverem a ser políticos.'