Título: Dupla ruína no Senado
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2007, Notas e Informações, p. A3
Vem da noite dos tempos o costume dos poderosos de culpar o mensageiro pela má notícia. Não surpreende, pois, que, em desespero de causa, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e os paus-mandados que ainda o servem no Conselho de Ética tenham se agarrado ao roto argumento de que a imprensa teria ¿interesses velados¿ - no dizer do ladino político alagoano - ao revelar a porosidade das suas tentativas de fazer crer que tinha recursos próprios, lícitos e limpos, para não depender dos favores financeiros do lobista de uma empreiteira nos seus acertos com a ex-amante. Mas nem por serem invertebradas as suas insinuações contra a mídia - com as quais ele tenta se fazer de vítima no imbróglio - podem elas passar em branco.
Diante da avalanche de dúvidas sobre a lisura dos negócios do senador-pecuarista, baseadas não em conjecturas, mas na checagem criteriosa de fatos, números e documentos, é espantoso Calheiros se pôr a dar lições de ética jornalística, como se permitiu fazer da Mesa do Senado. Ostentando uma autoridade moral que talvez ele mesmo, ao se olhar no espelho, perceba ser postiça, advertiu retoricamente que ¿sem a responsabilidade (na divulgação de informações), abre-se espaço para o excesso, para a pirotecnia, tudo isso em desfavor das instituições e a bem do sensacionalismo¿. Teorizou em seguida que a liberdade de imprensa requer ¿consciência coletiva (sic), sob pena de se marchar para a ditadura da opinião preconcebida¿ - e por aí foi.
O infortúnio de Calheiros, que torna essa verberação simplesmente risível, vem de que, embora não tenha comprovado pertencer à empreiteira Mendes Júnior, ou ao seu funcionário Cláudio Gontijo, o dinheiro vivo que este entregava regularmente à jornalista das relações de seu amigo político, o desempenho da mídia na busca da verdade sobre a origem dos recursos apregoados pelo senador tem sido exemplar. Desta vez, emissoras e publicações não estão divulgando vazamentos de escutas telefônicas ou repassando informações de autoridades protegidas pelo anonimato, aí sim com eventuais interesses velados. A imprensa foi a campo, entrevistou pessoas de carne e osso, esmiuçou papéis, descreveu locais - e nada disso aliviou a barra de Calheiros.
Pior ainda, para ele, foi o efeito bumerangue da jogada que a sua tropa de choque armou para dar um semblante de seriedade à farsa programada para absolvê-lo sumariamente no Conselho de Ética: a perícia encomendada à Polícia Federal (PF) nos documentos que atestariam as transações com gado que lhe teriam rendido R$ 1,9 milhão em quatro anos. A marotagem consistia não apenas em fazer os peritos trabalhar contra o relógio, mas principalmente em limitar a conferência à autenticidade dos documentos, tomados pelo seu valor de face, fossem reais ou fictícias as firmas e pessoas neles citadas. Deu tudo errado. A PF não se limitou a dizer que não podia considerar autênticas as notas fiscais, por não saber se os negócios a que se referiam efetivamente ocorreram. Esse cuidado era apenas de esperar.
O que não se esperava era a perícia descobrir, entre outras coisas, depósitos em conta de Calheiros sem vínculo com as notas fiscais que comprovariam a venda de bois; registros de venda sem as indispensáveis guias de transporte das reses; guias sem vínculo com notas; vendedores outros que não o senador; e compradores com nomes diferentes nas notas e nas guias. O esfarinhamento da linha mestra de defesa de Calheiros foi um dos fatores que acabaram com o jogo de cartas marcadas preparado para inocentá-lo. O outro foi a pressão da opinião pública - induzida não por uma cobertura facciosa dos acontecimentos, como se atreveu a sugerir, no Conselho de Ética, um senador do PC do B, sintomaticamente solitário, mas pela força dos fatos.
A ruína do esquema teve o efeito colateral de desmilingüir o próprio colegiado. Entre figuras despreparadas e outras preparadas apenas para consumar a armação afrontosa - como o patético relator por um dia Wellington Salgado -, o Conselho, com poucas exceções, resvalou para a pequenez política e moral. Ficou do tamanho de Renan Calheiros.