Título: Conselheiros do apocalipse
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2007, Nacional, p. A8

Um senador de oposição com larga experiência no manejo de adversidades governamentais fez chegar à tropa de elite da base governista no Congresso o seguinte recado: é preciso que os aliados do presidente Luiz Inácio da Silva comecem a olhar a crise envolvendo o presidente do Senado pelo ângulo dos interesses do Palácio do Planalto e dêem um sentido estratégico à administração dos humores de Renan Calheiros.

Com equilíbrio e habilidade política. Nem assumindo tão veementemente sua defesa que o desenrolar dos acontecimentos possa vir a fazer do governo um cúmplice nem lavando as mãos com tanta ligeireza que incentive o presidente do Senado a cobrar faturas das quais se sente credor.

Em português claro: na visão do referido senador, o governo deveria se mostrar mais solidário para com Renan Calheiros antes que ele, acuado, cumpra as ameaças, por ora veladas, de espalhar uma brasa tal que resulte em mais escândalos, na desarticulação completa da base parlamentar e, no limite, se o desfecho for a saída do aliado da presidência do Senado, na eleição de um senador de oposição para ocupar o posto de terceiro homem na linha de sucessão.

O leitor, treinado na percepção do jogo de interesses, poderia perguntar: e o que tem a oposição a ver com isso se, em tese, para ela quanto pior para o governo melhor para seus planos de voltar ao comando central em 2010?

Ocorre, primeiro, que a opção do quanto pior melhor só é boa para quem não tem perspectiva de poder a curto e médio prazos. Em segundo lugar, para parte da oposição não apetece a hipótese de dar a companheiros de trincheira oposicionista, mas não partidária, a luz de uma ribalta como a presidência do Senado. E, aqui temos o fator primordial: ao conjunto da Casa não convém a possibilidade de a ira de Calheiros produzir novos protagonistas de escândalos, sejam eles de natureza pública ou privada.

A conta é simples: caso o circo venha a pegar fogo, a depender da intensidade do incêndio, queimam-se culpados e inocentes. Não obstante a inexistência de querubins no ambiente, há gente direita no Parlamento e, como em toda parte, ali também nem todas as fichas espirituais registram só pecados capitais.

E por que o oposicionista em questão houve por bem lançar o alerta do risco? Porque nos últimos dois dias o presidente do Senado deu mostras de compreender a gravidade do caso. Perdeu densidade, não consegue impor sua vontade, está cercado de defensores de má qualidade e os aliados de mais peso político são solidários no particular, mas mantêm distância em público.

Com isso, Calheiros optou pelo uso da arma da contra-informação por meio de um expediente a ele bastante familiar desde quando integrava o bunker collorido: a difamação.

Alguns senadores já sentiram que ele pode mesmo cumprir a ameaça feita logo no início do escândalo, quando avisou que poderia até subir no cadafalso, mas o faria na companhia de mais gente. A inquietação é ainda discreta, mas permeia o colegiado.

Ninguém sabe quem será o escolhido por Calheiros como alvo primordial do ressentimento. Hoje está particularmente irado com o líder do Democratas, senador José Agripino Maia, seu oponente na eleição para a presidência do Senado e a quem atribui manobras para tirá-lo do posto. Por mais que Agripino já tenha declarado oficialmente que não disputará se vier a ocorrer uma nova eleição, Renan Calheiros o vê como articulador de uma conspiração.

Neste aspecto, equivoca-se, pois não há planos para removê-lo da presidência e sim uma série de indícios de que, no mínimo, mentiu quando apresentou ao Senado documentação de autenticidade questionada pela Polícia Federal.

Além disso, buscou atropelar o processo de investigação. Hoje há uma avaliação geral de que, com a truculência - e este é o termo exato usado por vários de seus pares - piorou bem a situação: afastou aliados, estreitou o espaço para acertos e, tentando impressionar apresentando papéis, acabou fornecendo material condenatório.

As insinuações - disseminadas por intermédio de seus conselheiros do apocalipse - criam constrangimentos, mas nesta altura não servem mais como fator determinante de intimidação. Produzem o inverso: a sensação de que a defesa mais eficiente é o contra-ataque.

Zen-cinismo

De Paris, Waldir Pires prevê mais um ano de crise e Guido Mantega tranqüiliza os reféns do caos aéreo: ¿É o preço do sucesso.¿ Dão, assim, mais duas contribuições ao manual dos descansados e deleitados do Palácio do Planalto e adjacências.

Da coletânea ¿relax¿ participam também Marta Suplicy e seu conselho antológico, Walfrido Mares Guia e sua convicção de que a crise se deve à ¿lei de Murphy¿, Tarso Genro e o aviso sobre ausência de ¿pressa neurótica¿ no governo em resolver o problema e o presidente Lula e sua paciente espera para que atendam a ordem dada em outubro para uma solução definitiva do problema ¿em 48 horas¿.