Título: Prejuízo duplo
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2007, Economia, p. B2
Se é verdade que um mau acordo é preferível a nenhum acordo, então o fracasso do encontro de Potsdam (Alemanha) em avançar nas negociações comerciais aponta para um duplo prejuízo para o Brasil: porque vai ser agora apontado como um dos responsáveis pelo fracasso; e porque apostou todas as fichas num acordo multilateral de comércio que agora ficou substancialmente mais difícil.
Desde os tempos do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), que em 1995 desembocou na Organização Mundial do Comércio (OMC), quando um encontro amplo ficava emperrado, tentava-se consenso prévio em um grupo menor. É o conceito das green room talks (conversas do salão verde), que inicialmente envolviam só os Estados Unidos e os principais países europeus e agora admitem emergentes.
Em Potsdam se reuniram desde terça-feira os ministros negociadores do G-4 (Estados Unidos, União Européia, Índia e Brasil). O objetivo foi desemperrar as negociações da Rodada Doha, assim chamada porque começou na capital do Kuwait, em 2001.
As razões técnicas do emperramento são as de sempre. Estados Unidos e União Européia não querem reduzir os subsídios agrícolas a um piso que satisfaça os emergentes. E estes resistem a reduzir as tarifas dos produtos industrializados e a abrir seu mercado para o setor de serviços.
Como ocorre em todas as negociações comerciais desse tipo, nunca dá para garantir que o fracasso é definitivo. Às vezes as coisas têm de piorar muito para começar a melhorar. Se nada de novo mudar o quadro atual até o final de agosto, será muito difícil avançar antes de completado um prazo de seis anos, porque as condições políticas tendem a azedar nos Estados Unidos e na Índia.
O chanceler Celso Amorim, um dos quatro negociadores em Potsdam, declarou ontem que 'o baile continua na corte de Pascal Lamy', o diretor-geral da OMC. Mas se a dança não foi possível no G-4, a probabilidade de ser no G-150 (o atual número de países membros da OMC) é mais baixa.
A sessão de descarrego (de responsabilidades) começou logo depois da suspensão das negociações. Isso pode causar algum alívio, mas não aponta uma solução. Do ponto de vista dos interesses do Brasil, o bloqueio definitivo ou apenas duradouro das negociações produz estragos.
O objetivo de uma negociação comercial é garantir acesso a mercados fechados ou difíceis de atingir. O governo brasileiro apostou tudo nas negociações multilaterais, no âmbito da OMC. Se elas levam a um beco sem saída, prevalecem os acordos bilaterais, em que um país dá tratamento preferencial aos produtos dos países com que tem acordo. O Brasil sabotou as negociações no âmbito das Américas (Alca) e não se empenhou nos acordos entre Mercosul e União Européia. A concorrência internacional foi mais sábia. Fechou ou pôs em marcha negociações bilaterais. Há cerca de 300 nessas condições. A falta de acesso preferencial ao produto brasileiro nos demais mercados agrava a baixa competitividade da indústria nacional que já está sendo obrigada a enfrentar um câmbio fortemente desfavorável.