Título: No Teatro, jogo de cena e tensão
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2007, Economia, p. B3

O acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) começou a ruir na noite de quarta-feira, quando os ministros se encontraram para um jantar privado no restaurante de Potsdam com um nome sugestivo ao que estava ocorrendo: Il Teatro. Foram horas de manobras políticas, jogos de cena e muita tensão.

Segundo o ministro Celso Amorim, a conversa no jantar foi 'muito dura' e o chanceler confessou que achou estranho que cada palavra que falava estava sendo anotada pelos europeus e americanos. Tanto o Brasil como a Índia insistiram que não poderiam fazer concessões na parte industrial e que o que havia sobre a mesa no setor agrícola ainda era insuficiente.

Amorim chegou a propor que as reuniões da manhã seguinte (ontem) fossem iniciadas com outros temas e que as polêmicas voltassem a ser tratadas na parte da tarde. 'Disse que estava disposto a ir até o fim', afirmou. Mas, ao final da manhã, o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, já começou a traçar como deveria ser o encerramento da conferência de Potsdam para tentar manter as aparências e até emitir um comunicado para disfarçar o colapso. 'Achei que ele já estava preparando um cenário para uma aterrissagem suave para o fracasso', afirmou Amorim.

A delegação brasileira havia descoberto antes que europeus e americanos haviam tido uma reunião separada na noite de quarta, após o jantar, para definir uma estratégia. No almoço de ontem, portanto, Washington e Bruxelas começaram um ataque frontal à posição dos países emergentes em relação aos produtos industriais. 'Eles tinham combinado. Eu não nasci ontem', disse Amorim, que viu suas frases usadas no jantar na noite anterior sendo usadas pelos europeus e americanos para acusá-lo de não querer um acordo. 'Queriam dizer que eu não aceitaria nenhuma negociação, o que não era verdade', alegou Amorim.

Na versão do chanceler, ao concluir o almoço de ontem, tanto europeus como americanos afirmaram que seria 'inútil continuar' e que apenas se reuniriam pela tarde para manter as aparências.

Nesse momento, Amorim ligou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para explicar que as posições dos americanos e europeus estavam distantes dos interesses brasileiros. 'A decisão de não continuar a conversa não foi nossa', garantiu Amorim.

O brasileiro e o ministro indiano, Kamal Nath, decidiram não ir à reunião e convocaram uma conferência de imprensa. 'Era um fingimento, e eu não quis participar disso', afirmou Amorim, que chegou uma hora atrasado à reunião final. Mandelson, então, aproveitou a reunião final para acusar o Brasil e a Índia de terem impedido um avanço ao convocar a imprensa e anunciar sua partida. 'Isso é mentira, pois já havia sido dito que era inútil continuar', retrucou Amorim, convencido de que a estratégia de culpar o Brasil já havia sido traçada na noite anterior.

Os argumentos de Amorim não impediram que a representante americana de Comércio, Susan Schwab, acusasse à imprensa que tanto o Brasil como a Índia já estavam com suas passagens reservadas para deixar Postdam ontem. O Itamaraty negou tal versão. Mas, como uma peça de Pirandelo, a realidade parece diferente para cada um que a vê.