Título: UE descarta acerto com Mercosul
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2007, Economia, p. B4
Para a União Européia (UE), o que o Brasil não conseguiu na Organização Mundial do Comércio (OMC) em termos de acesso a mercados também não conseguirá em eventual acordo bilateral entre o bloco europeu e o Mercosul. O alerta é da comissária de Agricultura da UE, Marianne Fischer Boel.
'Se o Brasil pensa que conseguirá os mesmos resultados nas negociações bilaterais que conseguiria aqui, está muito errado', afirmou. Diplomatas europeus afirmaram que se o chanceler Celso Amorim mantiver comportamento de rigidez na abertura do setor industrial nas negociações entre Mercosul e Europa, Bruxelas dificilmente aceitará até mesmo agendar reuniões.
A declaração é um banho de água fria na estratégia do Itamaraty de conseguir, por acordos bilaterais, acesso a mercados que o Brasil não conseguiria na OMC. Há três dias, Amorim disse que voltaria a debater o acordo entre Europa e Mercosul. A idéia é que as regras gerais do novo sistema comercial sejam estabelecidas na OMC e que novos cortes de tarifas de importação ocorram em acertos entre grupos restritos de países.
Segundo Fischer Boel, a Europa 'jamais poderá oferecer algo da magnitude que ofereceu na OMC nos acordos bilaterais'. As declarações ainda podem ser prejudiciais à iniciativa da Comissão Européia. Amorim minimizou as declarações. 'Os europeus têm tanto interesse como nós nas negociações.'
Recente estudo da Comissão Européia mostra que Bruxelas ganharia cinco vezes mais em um acordo com a Ásia do que com o Mercosul. Em 4 de julho, o presidente Lula estará em Bruxelas para reunião de cúpula com a Europa. O tema deve ressurgir.
Os americanos também declararam que não há possibilidade de acordo com o Brasil diante desse contexto. Questionada sobre o tema, a representante de Comércio dos EUA, Susan Schwab, caiu na gargalhada.
LIDERANÇA QUESTIONADA
EUA e Europa insinuaram que Brasil e Índia não representam os interesses legítimos dos países em desenvolvimento nas negociações da OMC. Ontem, ao fazer ataques contra os dois governos, Schwab disse que os países que não estavam em Potsdam 'deveriam ter sido melhor representados na reunião', colocando em xeque a liderança dos dois países. 'Os países emergentes também precisam ter responsabilidades.'
Os dois países são considerados pilares do G-20 (grupo de países emergentes), mas são cada vez mais questionados. 'Os que mais perdem com o fracasso não estavam na mesa de reuniões', disse Fischer Boel.
O comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson, foi mais direto, alegando que esperava que pudesse negociar a partir de agora com outros países com 'boa vontade e boa-fé'. Schwab disse que os americanos negociarão com 'qualquer país disposto a negociar'.
Para Mandelson, os grandes emergentes, como Brasil e Índia, têm 'responsabilidade e obrigação' de ajudar os demais países pobres. 'Esse colapso não pode ser visto como enfrentamento entre ricos e pobres. Seria irresponsável dizer isso'. Para Schwab, os grandes emergentes precisam cortar barreiras industriais aos demais países pobres. Segundo ela, 70% das tarifas sobre produtos exportados de países pobres são cobradas por emergentes.
Amorim estará hoje em Genebra para reunião do G-20 e explicará o que ocorreu. Para analistas, sua manobra o coloca como defensor dos interesses dos emergentes. Mas, nos bastidores, está tirando dos ombros o peso de cobranças. Nos últimos meses, o Brasil foi pressionado pela Argentina, África do Sul e Venezuela a endurecer a negociação com os ricos.