Título: O fracasso da Rodada Doha
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2007, Economia, p. B6

A Rodada Doha enfrentou uma situação difícil de ser superada, no final do prazo fixado pelos países para encontrar uma fórmula que viesse a atender a todos os interesses. Há alguns meses, já havia ficado claro que a barganha final entre os 4 países (EUA,UE, Brasil e Índia) que procuravam um consenso a ser submetido aos outros quase 150 países da Organização Mundial do Comércio (OMC), residiria na redução dos subsídios nos EUA e a baixa das tarifas dos produtos agrícolas na UE a níveis aceitáveis para os países em desenvolvimento (G-20) e a redução das tarifas de produtos industriais nos países do G-20, aceitáveis para os EUA e UE.

De outro lado, tudo o que se discutia no âmbito da OMC, em inúmeras e infindáveis reuniões nos quatro cantos do mundo, havia ficado na dependência dos humores do Congresso dos EUA, pela necessidade de a maioria democrata aprovar a extensão da autorização - que expira no próximo dia 30 - para o Executivo americano negociar acordos comerciais.

Anuncia-se que na próxima semana haveria um último esforço coordenado pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, em Genebra, para tentar o que não se conseguiu nos últimos meses: um acordo equilibrado e abrangente.

Para mim, o fracasso nas negociações comerciais multilaterais não foi uma surpresa. Dificilmente o Congresso Democrata daria a referida autorização a Bush, em fim de mandato e com baixíssima popularidade, quando a maioria republicana negou o 'fast track' a Clinton por oito anos. As eleições na França e o clima pré-eleitoral e a atitude negativa do Congresso quanto à revisão nos subsídios nos EUA também ajudaram a criar um clima mais protecionista do que favorável ao livre comércio.

É difícil aceitar que o Brasil seja apresentado como um dos países responsáveis pelo fracasso das conversações. Os entendimentos se centraram na liberalização de comércio e na redução de subsídios na área agrícola. O Brasil nem subsidia nem protege a produção agrícola. O governo brasileiro e o setor privado industrial sinalizaram poder fazer concessões, se e quando os EUA e a UE apresentassem propostas que representassem ganhos reais para o setor agrícola nacional. Como isso não ocorreu, é melhor não ter um acordo do que ter um mau acordo.

E agora, o que fazer?

Do ponto de vista da negociação, a menos que haja uma pouco provável reviravolta na próxima semana, a Rodada Doha vai demorar para ser retomada. O mais realista é que a OMC possa reencetá-la depois das eleições presidenciais nos EUA (novembro de 2008). É possível prever que se acentue a tendência de proliferação de acordos de livre comércio, de acordos bilaterais e, em alguns setores, uma nova onda protecionista.

Do lado do governo brasileiro, uma nova estratégia de negociação comercial deverá ser rapidamente elaborada.

A decisão de apostar tudo na Rodada Doha, deixando em um distante segundo plano as negociações regionais e bilaterais, mostrou ser equivocada e deveria ser revertida.

O México, por exemplo, enquanto negociava a Rodada Doha, assinou 44 acordos de livre comércio. Na Ásia, a China, a Coréia e o Japão embarcaram na mesma direção. Enquanto isso, o Mercosul continua em um plano inclinado, sem um rumo definido e com crescentes incertezas na área institucional e jurídica, inclusive em decorrência do aumento do número de membros plenos, dificultando o processo decisório. A agenda externa do Mercosul, no referente às negociações com os países da América do Sul e às de fora da região, está em banho-maria.

Os acordos com os países árabes do Golfo e com Israel, de pouca significação comercial, são os únicos mais adiantados para assinatura. O acordo com a União Européia está paralisado e os com a África do Sul e a Índia avançam pouco.

A nova estratégia de acordos bilaterais deveria buscar parceiros comerciais significativos, como o México, a Coréia do Sul e a finalização dos entendimentos com a UE.

É isso que o setor privado pragmaticamente espera do governo.