Título: Profusão de cargos de confiança
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/06/2007, Notas e Informações, p. A3

A pretexto de equipar a nova Secretaria de Planejamento de Longo Prazo (ex-Sealopra), cujo ministro-chefe, Roberto Mangabeira Unger, tomou posse na terça-feira - sem se retratar por ter escrito em 2005 que o governo Lula era o mais corrupto da história brasileira -, o presidente criou no mesmo dia, por medida provisória, mais 626 cargos de confiança no Executivo, as chamadas funções DAS (Direção e Assessoramento Superior). O inquilino de turno do Planalto as preenche com quem quiser: faz parte do loteamento da máquina pública. Dos cargos dessa mais recente fornada, 83 irão para a 37ª repartição ministerial que acaba de ser instituída no Brasil, líder mundial na modalidade. Com isso, sobe para 22.189, na administração federal, o número de cargos cuja ocupação não se dá por concurso. Na véspera, por outra medida provisória, Lula havia aumentado de 30% a 139,7% os salários dos servidores DAS - quando a inflação está abaixo dos 4%.

No discurso de posse, Unger reverenciou a ¿magnanimidade¿ do presidente. Lula, o Magnânimo é como poderia tê-lo chamado, no dia do aumento, o tesoureiro do PT, Paulo Ferreira. Se não o fez, por respeito à compostura é que não foi. Pois o sucessor do inesquecível Delúbio Soares só faltou soltar rojões na Praça dos Três Poderes para festejar a generosa canetada presidencial. Explica-se. O partido tem espetada uma dívida de R$ 45 milhões. Se tiverem a carteirinha da estrela, os comissionados, como se denominam os funcionários contratados a bel-prazer do governante, devem pingar de 2% a 14% dos vencimentos mensais na conta da agremiação, cuja receita no período é de apenas R$ 2 milhões. Ocorre que a inadimplência entre esses companheiros de confiança campeia - decerto por insuficiência de meios. É o que explica em parte os R$ 30 milhões que deixaram de entrar nos cofres da sigla desde o advento da era Lula.

Agora, ao custo adicional de R$ 277 milhões para o erário, até dezembro, os comissionados com os quais o PT aparelhou o Executivo não têm mais desculpas para descumprir o dever estatutário do dízimo. O que levou o tesoureiro Ferreira a dizer, candidamente, que, embora seja cedo para quantificar quanto dinheiro novo abastecerá o partido, ¿na atual situação qualquer recurso ajuda a melhorar a nossa saúde financeira¿. Daí a evidente conclusão de que, por plausíveis que possam ter sido os motivos que levaram Lula a onerar a folha federal em mais R$ 475 milhões no próximo ano, a sua decisão está irremediavelmente contaminada pela existência do duto que conduz, rumo à desnutrida conta corrente petista, uma parcela dos vencimentos da companheirada. O tempo dirá se o mesmo se aplica ao aumento das funções DAS, mas, a julgar pelo retrospecto, não serão poucos os seus filiados ao PT entre os seus futuros titulares.

De todo modo, a administração lulista é um comboio de empregos sem concurso, moeda de troca por excelência nos arranjos do governo com a sua enxundiosa coalizão, cuja fidelidade nunca será demais regar magnanimamente. Para se ter idéia, em 2002, último ano da gestão FHC, os cargos de confiança eram 18.374 (número, de resto, expandido pelas funções temporárias criadas para azeitar o processo de transição de governo). Agora, com os citados 22.189, o inchaço equivale a 21% - e o presidente Lula tem ainda bons três anos e meio de Planalto pela frente. Vinte e dois mil servidores de confiança, dos quais 5 mil filiados ao PT, ao que se estima, é muito mais do que consideram necessário, ou mesmo politicamente desejável, países cujo PIB atual nem em sonho o Brasil ostentará até onde a vista alcança e cujo patamar de lisura administrativa os brasileiros só podem considerar utópico.

Além disso, parecem ter caído em exercício findo as promessas iniciais de Lula de reduzir gastos com a folha do Executivo em geral. À época, as despesas com esse setor do funcionalismo representavam R$ 58,9 bilhões. Este ano, serão R$ 93,1 bilhões, ou aproximadamente 58% a mais. É bem verdade que um dos projetos de lei complementar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pretende limitar os aumentos da folha da União. Para o economista Raul Velloso, Lula deveria suspender quaisquer reajustes salariais até a aprovação da proposta. Mas não é esse o jeito petista de governar.