Título: Casa do Itamaraty em Madri vira 'hotel' informal
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2007, Nacional, p. A10

Uma casa de estudantes construída em Madri, com dinheiro do Itamaraty, mas gerida como propriedade particular pelo seu diretor, tornou-se o centro de uma nova polêmica sobre gastos da diplomacia brasileira no exterior. Apresentada ao Ministério de Relações Exteriores em 2005, pelo procurador do Ministério Público Lúcio Furtado, a denúncia foi depois levada ao Tribunal de Contas da União (TCU), onde as áreas técnicas já o analisaram.

¿O fato é grave e esclarecimentos devem ser prestados¿, diz o relatório de controle interno, que está prestes a ser votado no tribunal. E acrescenta: ¿A absoluta e inexplicável ausência de controle sobre o patrimônio da instituição por parte do ministério acabou por remeter ao inteiro juízo do seu diretor a gestão do bem de onde parcela de sua renda é originada.¿

A cobrança do tribunal deve-se ao modo como a casa funciona. Construída em terreno cedido pelo governo espanhol, ela deveria abrigar universitários brasileiros - mas, como a procura é pequena, só 10% de seus 124 apartamentos se destinam a tal uso. O diretor, Cássio de Oliveira Romano - prossegue a denúncia -, seleciona os moradores, cobra os aluguéis, paga as contas e fica com a diferença. Reservou para si o último andar inteiro do edifício, onde instalou um confortável apartamento no qual vive há mais de seis anos.

Pelo trabalho de dirigir a casa, recebe ainda do Itamaraty um salário de US$ 1.600. ¿E, quando falei do caso, o funcionário do Itamaraty que me recebeu sequer sabia que o ministério tinha uma Casa do Brasil na Espanha¿, lembra Furtado.

O diretor, procurado pela embaixada brasileira na Espanha, alega que a autogestão da casa foi uma decisão adotada desde o início pelas duas partes e que, para mudar as regras, é preciso aprovação da Universidade Complutense, organização madrilenha que responde pelo lado espanhol da iniciativa. Romano afirma, ainda, que a casa tem vários sites na internet informando suas atividades.

O relatório do TCU é rigoroso - avalia que o princípio da impessoalidade na ação pública foi ignorado e pede que o Itamaraty reavalie o caso, altere suas regras para tais operações e faça um levantamento de todas as Casas do Brasil pelo mundo, para corrigir onde for necessário.

CONTROLE DIFÍCIL

O caso de Madri é mais um, na antiga queda de braço entre o TCU e os diplomatas, por trás da qual estava, em 2004, um volume de R$ 1,077 bilhão. O tribunal queixa-se da forma vaga como o escritório financeiro de Nova York - onde se concentram os controles dos gastos fora do País - informa as despesas de 1.250 funcionários do Itamaraty que atuam em 165 postos. Em 2004, daquele mais de R$ 1 bilhão, o escritório ¿processou¿ cerca de R$ 820 milhões.

O que o TCU recebe de Nova York são informes genéricos, do tipo ¿gastos na Embaixada de Abidjan e outras repartições no exterior¿ - onde Abidjan é mencionada por ser a primeira em ordem alfabética. Os dados, segundo o tribunal, são agregados por região e o destino dos recursos não é discriminado.

¿Há muito vimos pedindo que a atividade de Nova York seja extinta¿, disse, através de assessoria, o ministro Marcos Villaça. ¿Com a tecnologia, esse sistema já não tem o menor sentido.¿ O tribunal pede que todas as embaixadas tenham contas próprias e as informem ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).