Título: Haiti torna-se trunfo em luta por influência regional
Autor: Stochero, Tahiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2007, Internacional, p. A15

Um país miserável, com 80% da população sem emprego, água encanada e energia elétrica. Um Estado fragilizado, sem infra-estrutura básica ou segurança, que nos últimos 15 anos sofreu oito intervenções internacionais. Mesmo assim, o Haiti, país mais pobre das Américas, tem sido uma carta importante no jogo político-ideológico do cenário global.

Dois conflitos de interesses fazem de Porto Príncipe, a capital haitiana, a ¿dama de ouros¿ em disputa. O primeiro é a rivalidade entre os presidentes venezuelano, Hugo Chávez, e americano, George W. Bush, pela influência na América Latina, tendo Cuba, Bolívia e Brasil como ¿curingas¿. O segundo é a disputa entre China e Taiwan por reconhecimento e poder no contexto internacional, exposta principalmente nas Nações Unidas. As duas disputas atrapalham em certos aspectos o desenvolvimento do Haiti e a missão de paz da ONU no país (que leva o nome de Minustah), concordam militares e diplomatas ouvidos pelo Estado.

¿O presidente René Préval (do Haiti) sempre me diz que, quando precisa de algo, pede à Venezuela, a Cuba e a Taiwan, porque eles dão sem burocracia. `Eu peço a Cuba 400 médicos, eles mandam. Peço a Taiwan US$ 100 mil para estradas, eles mandam¿, ele diz¿, relatou ao Estado o embaixador brasileiro, Paulo Cordeiro Pinto.

Edmond Mulet, representante da ONU no Haiti, reforçou a idéia. Segundo ele, apesar de os EUA serem hoje os maiores doadores, os governos de Caracas, Havana e Taipé têm influência em Porto Príncipe por causa da rápida liberação de recursos, equipamentos e pessoal.

Dois dias após Bush ter visitado o Brasil, em 10 de março, Chávez foi recebido por milhares de pessoas em Porto Príncipe e anunciou a liberação de US$ 100 milhões para as áreas de saúde e limpeza urbana e a construção de uma usina hidrelétrica. A Venezuela envia diariamente 14 mil barris de petróleo a preços subsidiados, possibilitando ao Haiti uma economia anual de US$ 150 milhões.

O Brasil lidera as tropas internacionais no Haiti e ficou numa situação desconfortável com a rivalidade explicitada durante a visita de Chávez. Ironicamente, foi Cordeiro Pinto quem, a pedido de Lula, apresentou Chávez a Préval, após a eleição do haitiano em fevereiro de 2006. ¿Quando Préval tomou posse, aportou aqui um navio venezuelano carregado de petróleo¿, relatou o diplomata.

Segundo ele, o presidente venezuelano ficou ¿enciumado¿ com o acordo sobre etanol, assinado por Lula e Bush, e decidiu aumentar sua ajuda ao Caribe. Cuba também é um dos grandes financiadores internacionais do Haiti, enviando médicos, engenheiros, dinheiro e equipamentos ¿sem burocracia¿.

¿A proposta do Brasil de uma parceria com os EUA e o Haiti na área de biodiesel causou reações venezuelanas, mas as conversações na cúpula de presidentes da América do Sul na Ilha Margarita esclareceram a questão do uso do etanol¿, disse o embaixador brasileiro.

Logo após o passeio de Chávez por Porto Príncipe, Bush assinou a Lei Hope, que isenta de impostos a importação de produtos têxteis, manufaturados e alimentos do Haiti. Os programas de ajuda americanos fornecem ao país cerca de R$ 200 milhões ao ano, alimento para 600 mil haitianos pobres e tratamento contra aids. Por meio da Organização Internacional de Migração (OIM), autoridades americanas colaboram também com recursos, alimentos e material escolar para ações sociais do batalhão brasileiro.

¿Préval diz que o Haiti necessita da assistência de todos e reserva-se o direito de manter boas relações com todos os países¿, disse Cordeiro Pinto. ¿Cuba dá apoio médico, os EUA constroem hospitais e os médicos cubanos trabalham nesses hospitais. O Haiti não pode escolher um ou outro¿, acrescentou. A disputa etanol versus petróleo acirrou o atrito entre Chávez e Lula em relação ao Haiti. Com ascendência sobre Evo Morales, o venezuelano pressionou para que a Bolívia retirasse seus 400 militares da Minustah, afirmando que a missão serve a interesses americanos e ¿promove uma matança¿. O apelo não deu resultado. ¿Em abril, o ministro da Defesa da Bolívia e líderes militares estiveram aqui, patrulharam Cité Soleil (a maior favela de Porto Príncipe) e deram-se conta de que a presença das tropas bolivianas é importante¿, disse ao Estado o tenente-coronel Gustavo Terán Cortez, comandante da missão boliviana.