Título: G-8 ignora emergentes no relatório final e Lula pede mais diálogo
Autor: Marin, Denise Chrispim e Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2007, Economia, p. B1

A proposta de diálogo aberto e franco entre o grupo dos países mais influentes no cenário internacional, o G-8, e as cinco principais economias emergentes - África do Sul, Brasil, China, Índia e México - converteu-se em um engodo, ontem, no balneário alemão de Heiligendamm, onde os líderes se reuniram.

Os países ricos, diferentemente do que estava acertado, divulgaram a declaração final do encontro sem consultar os líderes dos emergentes. Mais: incluíram no documento temas que haviam sido vetados em negociações prévias com as nações em desenvolvimento, como a abertura desses países para o investimento estrangeiro.

Uma nova versão do documento acabou sendo divulgada à tarde, após as reclamações dos emergentes. A chanceler alemã Angela Merkel, que presidiu a reunião, respondeu que tudo havia sido apenas um ¿mal-entendido¿. ¿Obviamente, ficou claro que os países emergentes não aceitaram os pontos que colocamos e então fizemos um novo documento¿, afirmou.

A confusão irritou especialmente a delegação brasileira, pois o documento foi divulgado antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcar em Heiligendamm, vindo de Berlim. Avisadas pela reportagem do Estado, fontes do Palácio do Planalto se surpreenderam com o anúncio do texto.

Lula saiu da reunião visivelmente contrariado com o fato de o G-8 ter afirmado, no documento final, compromissos sobre temas delicados para o mundo em desenvolvimento - a liberação dos investimentos diretos, a reabertura das discussões sobre a quebra de patentes em casos de emergência de saúde pública e o compromisso de redução de emissão de gases poluentes - ignorando as posições dos emergentes.

Lula anunciou que propôs para o próximo encontro, previsto para 2008, no Japão, que se tenha o ¿cuidado¿ de adotar uma nova metodologia. A fórmula sugerida por Lula é tão simples quanto óbvia: promover a discussão entre o G-8 e os cinco emergentes antes do encontro reservado apenas aos oito grandes, para que eles possam refletir e analisar as posições de seus convidados.

¿Eu fiz questão de dizer (durante a reunião) que não tinha havido essas discussões e, portanto, tinha coisas no documento do G-8 com as quais nós não poderíamos concordar¿, relatou o presidente. ¿Eu propus que o G-5 (os cinco emergentes) e outros países convidados se reúnam antes com o G-8, que disséssemos o que pensamos antes. Para que, quando eles forem fazer a reunião do G-8, levem em conta a existência das nossas propostas.¿

De maneira ainda mais enfática, Lula declarou que o documento do G-8 ¿levou muito em conta¿ a proposta do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, sobre a mudança do clima - sem metas específicas e fora do sistema das Nações Unidas. Com uma ¿agravante¿: a decisão de ignorar a posição do G-5 sobre o assunto, que é totalmente oposta e leva em consideração a responsabilidade maior das grandes economias na emissão de gases que provocam o efeito estufa.

¿Houve uma reunião, em Berlim, na qual não foram discutidas as questões que estão no documento do G-8. (O texto) passa a idéia que houve uma discussão e que houve concordância¿, assinalou o presidente, referindo-se ao encontro dos países em desenvolvimento, ocorrido, um dia antes, na capital alemã. ¿Fiz questão de começar a reunião dizendo que não tinha havido essa discussão e que tinha coisas no documento do G-8 com as quais não poderíamos concordar.¿

A irritação girou em torno das divergências entre o documento ¿Crescimento e Responsabilidade na Economia Mundial¿, redigido pelo G-8 em Heiligendamm, e o comunicado final do encontro do G-5, concluído e divulgado anteontem, mas em Berlim. O texto do G-8 defende fortemente a liberalização do ingresso de capitais produtivos, sobretudo nas economias em desenvolvimento, o combate à pirataria e a revisão de regras e mecanismos de maior controle governamental sobre as patentes industriais.

Trata-se de temas caros para os países emergentes, sobretudo ao Brasil. O abrandamento de suas posições sobre esses temas significaria, do ponto de vista do Itamaraty, a diminuição da capacidade de o Estado adotar políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento.