Título: Gesto positivo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2007, Notas e Informações, p. A3

Antecipando-se às providências que o governo federal pretende tomar para estabelecer metas de redução dos gases do efeito estufa, que se concentram na atmosfera e provocam o aquecimento global, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), duas das mais importantes entidades do setor industrial do País, acabam de lançar um documento no qual seus filiados se comprometem a investir em pesquisa científica e a adotar ¿medidas de mitigação¿ que possam ser postas em prática rapidamente.

O objetivo é começar a amortizar, desde já, os custos de adaptação às exigências que serão impostas nos próximos anos nos planos nacional e internacional, quando se esgotar o prazo de duração do Protocolo de Kyoto. Esse é um dos principais temas da próxima rodada da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em Bali, em dezembro.

Ao ratificar o Protocolo de Kyoto há cinco anos, juntamente com outros 141 países, o Brasil se comprometeu a reduzir as emissões dos gases do efeito estufa. Ao contrário das nações mais ricas e industrializadas, o País integra o grupo que não tem metas de mitigação para atingir nem precisa prestar contas de suas iniciativas nessa matéria à comunidade internacional. E, com isso, durante anos a indústria, que é responsável por 20% da emissão de gases estufa no País (os 80% restantes decorrem basicamente de desmatamento e queimadas), relegou a segundo plano, com as exceções de praxe, essa questão ambiental.

O problema é que, quando o Protocolo de Kyoto expirar, o País sofrerá pressões para assumir metas de cumprimento obrigatório. Atualmente, as nações em desenvolvimento respondem por quase metade das emissões de gases estufa. E as projeções que mostram que a China se converterá no maior emissor global de gases poluentes nos próximos anos, ultrapassando os Estados Unidos a partir de 2008, só reforçam as pressões dos países ricos sobre os emergentes.

Segundo a Fiesp e o Ciesp, se adotar desde agora programas de redução voluntária de emissão de CO2 e outros gases e financiar projetos para o desenvolvimento de uma matriz energética mais ¿limpa¿, baseada em hidrelétricas e etanol, e voltada para a fixação de carbono, o setor industrial brasileiro obterá três importantes vantagens, além de poder diluir no tempo os custos de adaptação às novas exigências em matéria de preservação ambiental.

Primeiro, ele terá autoridade para influenciar as políticas que vierem a ser adotadas pelo governo nessa matéria. Em segundo lugar, fortalecerá a posição do País nas negociações internacionais, quando os países ricos cobrarão dos países emergentes a adoção de regras mais duras de controle das emissões de gases. E, por fim, melhorará sua imagem perante a sociedade, atendendo às expectativas dos consumidores mais exigentes, que dão preferência aos bens e serviços das empresas mais alinhadas com práticas socioambientais sustentáveis.

¿A indústria antevê as pressões e as transforma em oportunidade¿, diz o consultor Carlos Delpupo, do Instituto Totum. ¿Dentro da questão de mudanças climáticas, o setor industrial deve ter uma participação ativa. Não cabe a ele definir metas (de redução de emissão de gases), mas demonstramos nossa disposição de caminhar nessa direção¿, endossa o diretor do Conselho de Meio Ambiente da Fiesp, Nelson Reis.

A proposta que a Fiesp e o Ciesp acabam de encaminhar para ser referendada pela Confederação Nacional da Indústria não estabelece metas mínimas de redução de emissão de gases para o setor nem prevê qualquer tipo de sanção. Como as metas são voluntárias e podem variar conforme as regiões e os ramos de atividade, o sucesso da iniciativa dependerá da adesão das empresas. É por isso que, apesar de elogiarem a iniciativa da indústria paulista, os órgãos públicos de controle ambiental a receberam com cautela. ¿Não se sabe quais empresas vão aderir e se as grandes emissoras vão contribuir¿, diz o presidente da Cetesb, Fernando Rei.

Mesmo assim, a iniciativa da indústria paulista é um gesto positivo, revelador da preocupação que a iniciativa privada tem com a questão ambiental.