Título: Escuta liga Roriz a esquema de desvio
Autor: Filgueiras, Sônia e Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2007, Nacional, p. A16

A Operação Aquarela, da Polícia Civil de Brasília, que já produzira a prisão de 19 pessoas, entre elas o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Tarcísio Franklin, por desvio de recursos que podem chegar à casa dos R$ 50 milhões, alcançou agora o senador Joaquim Roriz (PMDB-DF), governador de Brasília entre 1998 e 2006. Diálogos entre ambos gravados pela Polícia Civil com autorização judicial indicam a participação de Roriz no esquema que levou Franklin à prisão. Na conversa, o ex-dirigente do BRB tenta combinar com Roriz um local para supostamente levar uma quantia em dinheiro que, mais tarde, para outro interlocutor não identificado, ele próprio dimensiona: ¿Não cabe num carro.¿

Em uma das conversas, o ex-presidente do BRB sugere que a suposta quantia seja levada ao ¿SMPW¿ - sigla que identifica o bairro nobre de Brasília onde Roriz tem propriedade particular.

As gravações que registram a conversa de Roriz com Franklin foram feitas em 13 de março, com autorização judicial, quando o primeiro já assumira o mandato de senador. Mas as escutas começaram muito antes e, segundo o Estado apurou, não são a única peça a complicar Roriz. Também foi apreendida uma carta do publicitário Maurício Cavalcanti, endereçada ao então governador, em que ele ameaça contar tudo o que sabe sobre irregularidades no governo do Distrito Federal.

Cavalcanti redigiu a carta depois de tentar em vão receber de Roriz o pagamento de um financiamento supostamente feito a seu pedido no BRB. Ele levantou o crédito em seu próprio nome, mas caberia a Roriz honrá-lo.

O dinheiro, segundo fontes ouvidas pelo Estado, teria dois objetivos: garantir a Roriz participação, como sócio oculto, no jornal Tribuna do Brasil, um tablóide popular com boa circulação nas cidades-satélites e periferia do Distrito Federal, e resgatar uma dívida de sua filha Jacqueline Roriz no valor de R$ 2 milhões em uma instituição financeira paulista. No primeiro caso, Roriz pretenderia valer-se do jornal para atacar o candidato à sua sucessão José Roberto Arruda (DEM), atual governador do Distrito Federal.

O enredo ainda tem um ponto obscuro produzido por uma menção ao nome do empresário Nenê Constantino, presidente do Conselho de Administração da Gol e proprietário em Brasília das empresas de transporte coletivo Planeta e Pioneira.Na conversa gravada pela Polícia Civil, e reproduzida pela revista Época em seu site, Franklin combina com Roriz de levar o que fontes com acesso às investigações garantem ser dinheiro para o escritório de Constantino e recebe a aprovação efusiva do senador.

No mesmo dia da conversa telefônica gravada pela polícia, relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, revela uma movimentação referente a um cheque da Agropecuária Xingu para Nenê Constantino. Há um saque no BRB de R$ 2,231 milhões, coberto pelo mesmo cheque, que a assessoria de Constantino informou jamais ter entregue a Roriz.

BEZERRA

Valério Neves, assessor de Roriz, porém, confirmou que ele pedira um empréstimo de R$ 300 mil a Constantino para comprar parte de uma bezerra nelore da Universidade de Marília e recebeu o cheque de R$ 2.231.155,60. Ele teria ficado com R$ 300 mil e devolveu o troco de pouco mais de R$ 1,9 milhão. A assessoria de Constantino confirma só o empréstimo de R$ 300 mil e garante ter tudo documentado.

Na versão da assessoria de Roriz, o senador precisava de R$ 300 mil e Constantino lhe passou o cheque de R$ 2.231.155,60. ¿O erro do senador foi telefonar para Franklin, seu amigo, que era presidente do BRB e que estava grampeado. O senador tirou os R$ 300 mil de que necessitava e devolveu o restante do dinheiro a Constantino¿, disse Neves. ¿Temos cópia do cheque e tudo está documentado.¿ As apurações foram remetidas à Procuradoria-Geral da República para eventuais investigações contra Roriz, que tem foro privilegiado.