Título: Até o fim, obediência ao assembleísmo radical
Autor: Cafardo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2007, Vida&, p. A30

Do início ao fim da invasão da reitoria, os estudantes grevistas da USP levaram o assembleísmo a sério. Foram dias de inúmeras reuniões e infinitas votações. Antes de ser colocada em prática ou descartada, cada idéia obrigatoriamente tinha de passar pelo crivo da maioria.

A derradeira assembléia decidiu pela desocupação da reitoria perto das 22h30 da quinta-feira. A reunião em questão, realizada ao ar livre, havia começado três horas antes. Após a importante votação, o número de alunos caiu drasticamente - de 500 a 200- e o frio aumentou - fazia 15°C. Mesmo assim, as votações seguiram madrugada adentro.

A leitura dos informes da greve deve durar 30 ou 60 minutos? Faz-se votação. A assembléia termina às 23 horas ou não deve haver prazo? Faz-se votação. A carta com os termos do fim da ocupação pode ser entregue aos jornalistas presentes? Faz-se votação. Que tal redigir um comunicado à sociedade para explicar os motivos da tomada da reitoria? Faz-se votação.

Na democracia estudantil, cada proposta é sustentada pelos argumentos do grupo pró e destruído pelos argumentos do grupo contra. Cada lado tem um minuto para falar - ou gritar - ao microfone. Depois do falatório, os alunos levantam as mãos para votar. A apuração é feita pelo ¿olhômetro¿. Os líderes das assembléias proclamam o resultado das votações dizendo algo como: ¿Por contraste, a assembléia decidiu que...¿. Se há dúvida, uma nova votação precisa ser realizada.

PARTIDOS NANICOS

Esse hábito de fazer votações para decidir os mínimos detalhes tem relação com a forte presença de partidos radicais - e nanicos - de esquerda no movimento estudantil. Figuram entre os líderes da invasão alunos filiados ao PSTU e ao PCO.

Na consulta sobre a desocupação, a maioria dos alunos claramente votou a favor da saída. Os líderes, porém, disseram que não houve ¿contraste¿. Conseguiram fazer uma nova consulta, mas a maioria dos braços erguidos continuou favorável à desocupação do prédio.

No vocabulário das assembléias, as maiores ofensas são ¿pelego¿ e ¿traidor¿. Inconformados com a decisão de desocupar a reitoria, meia dúzia de alunos deixou a Cidade Universitária naquela madrugada fria esbravejando os dois ¿palavrões¿.