Título: Após 50 dias, alunos deixam reitoria
Autor: Cafardo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2007, Vida&, p. A30

A ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo (SP), que durou 50 dias, acabou no início da noite de ontem com agressões e tumultos. Depois de negociações entre estudantes, funcionários e reitoria, um documento foi assinado pelas três partes, garantindo reivindicações condicionadas ao fim da greve e à desocupação do prédio da reitoria.

Com a desculpa de limpar a entrada da reitoria, os estudantes usaram uma mangueira de bombeiro e jogaram baldes de água e sabão nos cerca de 50 jornalistas e observadores que aguardavam a saída. No tumulto, alguns jornalistas foram agredidos por estudantes com os rostos cobertos. Houve brigas entre estudantes de partidos opostos. Naquele momento, um carro de som dos funcionários tocava Para Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré. Até as 20 horas, a polícia não havia aparecido.

A desocupação começou anteontem, quando os estudantes votaram o fim da invasão condicionado à decisão dos funcionários, que haviam apoiado o movimento desde o começo e também estavam em greve. Por volta das 13 horas de ontem, o grupo de professores que intermediou as últimas negociações leu na assembléia dos funcionários um documento escrito pela reitora Suely Vilela pedindo a desocupação do prédio, o fim da greve e oferecendo apenas a disponibilidade para negociar com uma comissão as reivindicações da categoria. Os funcionários não ficaram satisfeitos, e as negociações tiveram de recomeçar.

O documento foi refeito por volta das 15h30 e Suely então garantiu que não descontaria do salário dos funcionários os dias parados, e a assembléia acabou aprovando o fim da ocupação.

MORADIA ESTUDANTIL

Só mais de três horas - e muita música de Raul Seixas, Elis Regina e Geraldo Vandré - depois, os estudantes resolveram de fato sair da reitoria. O chefe de gabinete da reitora, Alberto Carlos Amadio, já havia entrado no local, verificado o prédio e dado o aval a Suely para assinar o documento com estudantes e funcionários. A reitora acabou atendendo muitas das reivindicações dos estudantes, como a não punição dos invasores, o aumento da moradia estudantil, a discussão do estatuto da universidade e o debate sobre um projeto de inclusão de alunos carentes.

¿Os estudantes saíram de cabeça para cima. Tiveram uma vitória significativa e mostraram para toda a sociedade a importância da universidade pública¿, disse o professor de História Oswaldo Coggiola, que esteve na ocupação durante a tarde. ¿Foi um dos movimentos mais bonitos que eu já vi na USP¿, afirmou Istvan Jancso, do Instituto de Estudos Brasileiros, um dos docentes do grupo de negociadores.

Ao longo do dia, mesmo antes da decisão dos funcionários, os estudantes já limpavam a reitoria e saíam do prédio levando colchões, panelas e comida. ¿Dá uma certa tristeza ir embora agora, porque acho que não conseguimos tudo que queríamos¿, disse a cozinheira do ¿bandejão¿ da USP Francisca Mesquita, que trabalhou para os estudantes na invasão. Ela contou que cozinhava arroz, feijão e salsicha na maior parte dos dias.

No final da tarde, a reitora Suely Vilela divulgou uma nota afirmando que ¿a universidade, apesar das dificuldades encontradas, conseguiu superar os entraves por meio do diálogo¿.

Uma perícia técnica irá vistoriar o prédio da reitoria. A data e o horário não foram confirmados. Funcionários participarão da inspeção para fazer um inventário dos bens. Até a finalização dos trabalhos, ninguém terá autorização para circular pelo local.

TUMULTO

Depois de usar a mangueira de bombeiro três vezes, molhando câmeras e máquinas fotográficas dos jornalistas, os estudantes iniciaram o que chamaram de ¿festa da desocupação¿. Ouviram música, dançaram, gritaram palavras de ordem.

Questionados sobre o motivo da manifestação com água, os alunos disseram que estavam apenas ¿limpando a imprensa¿. Durante os dias de ocupação, os estudantes evitaram dar declarações aos jornalistas. Várias vezes ignoraram os pedidos por informações.

Os jornalistas tentaram entrar no prédio e foram impedidos e agredidos com empurrões e pontapés. O repórter da TV Record Gudryan Neufert levou socos e empurrões de alunos e funcionários que vigiavam a portaria. A guarda universitária só chegou às 19h30.

Em grande parte da USP, as aulas já vinham sendo realizadas normalmente, já que os professores abandonaram a greve na semana passada. Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), cujo acesso havia sido bloqueado pelos grevistas, as aulas devem voltar à normalidade na segunda.