Título: Histerese econômica
Autor: Haddad, Paulo R.
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2007, Economia, p. B2

O que ocorre com o desenvolvimento de uma sociedade quando mais de um terço dos membros depende de políticas sociais compensatórias? No Brasil, desde a implantação dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988, tem-se mais de 11 milhões de famílias no programa Bolsa-Família, mais de 7 milhões de benefícios da Previdência Social e mais de 4 milhões de idosos e deficientes na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Aos programas sociais do governo federal se somam aqueles de menor escala coordenados e implementados por governos estaduais e municipais do País. Não é difícil chegar a um número de 60 milhões a 70 milhões de brasileiros que sobrevivem, direta ou indiretamente, sob a cobertura das políticas sociais compensatórias, recorrentes do ponto de vista fiscal e inflexíveis do ponto de vista político.

Nas avaliações feitas em estudos econômicos mais recentes se contrapõem, de um lado, os impactos distributivos benéficos dessas políticas - num país que prima por ter uma distribuição de renda e de riqueza altamente concentrada ao longo de toda a sua história - e, do outro lado, os impactos deletérios dessas políticas sobre a redução dos investimentos do governo federal em infra-estrutura econômica. Basta lembrar que, em 1987, a União gastou 39% da sua despesa não financeira com investimentos e, em 2005, apenas 3%, enquanto os benefícios assistenciais e subsidiados saíram de 3% para 21% no mesmo período. Uma composição do gasto público que compromete as taxas de crescimento da economia brasileira no médio e no longo prazo e, assim, as chances de soluções mais sustentáveis para os problemas da pobreza.

Essa mesma questão pode ser vista a partir do conceito de histerese econômica, que descreve um contexto histórico no qual as respostas de um sistema a estímulos externos tendem a se atrasar, mesmo quando se intensificam. Muitas vezes os economistas têm utilizado esse conceito para descrever uma situação em que um longo período de desemprego em países desenvolvidos leva os governos a oferecerem auxílios recorrentes e generosos aos sem-emprego, o que facilita a sua sobrevivência, mas, ao mesmo tempo, pode modificar as atitudes individuais em relação ao trabalho, com a perda de suas habilidades, de sua autoconfiança, de seus status de sindicalizados, de seus contatos pessoais. Embora esta seja uma hipótese controversa entre economistas, conclui-se que os estímulos financeiros, fiscais e cambiais de uma política de crescimento acelerado poderão encontrar respostas defasadas e apáticas do grupo de desempregados desalentados.

A histerese econômica pode se manifestar de forma mais dramática no atual processo de desenvolvimento de municípios brasileiros economicamente deprimidos e com baixo índice de capacidade endógena. Estima-se que há mais de 1.500 desses municípios - num total de 5.560, em 2004 - onde cerca de 60% das famílias sobrevivem graças aos benefícios sociais compensatórios e mais de 80% do que suas Prefeituras arrecadam vêm de transferências do governo federal e dos respectivos governos estaduais.

Se esses indicadores estruturais persistirem ao longo dos próximos anos, as políticas sociais compensatórias teriam contribuído para atitudes conformistas diante de estímulos ao desenvolvimento local, para quebrar a coluna vertebral do empreendedorismo local e para levar os seus habitantes a sobreviverem permanentemente de mesadas financeiras extraídas das áreas mais prósperas do País. Entre esses habitantes, os mais jovens e os mais talentosos migram na busca de oportunidades até mesmo no exterior, reduzindo o resíduo do seu capital humano potencialmente mais empreendedor.

Esses mais de 1.500 municípios estão concentrados no agreste e no sertão do Nordeste, no norte e no leste de Minas e em áreas do leste do Pará e do Tocantins e apresentam, em comum, o fato de terem utilizado predatoriamente os seus ecossistemas ao longo do último século, comprometendo a produtividade de seus recursos naturais. Sem capacidade endógena de mobilização social e política para equacionar os seus problemas de baixo crescimento econômico e de elevados índices de pobreza, ficam à espera de alguma força exógena, vinda dos mercados e das políticas públicas territoriais, que possa revolver as entranhas de seu subdesenvolvimento.