Título: As advertências do Ipea
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2007, Notas e Informações, p. A3

A economia brasileira pode crescer, sem risco de inflação, mais do que se imaginava até há pouco tempo. Mais que isso, pode ter entrado num círculo virtuoso, com dados positivos criando expectativas favoráveis, estimulando investimentos e estes abrindo caminho para mais expansão e novas decisões políticas corretas. Essa é a mensagem otimista contida no Boletim de Conjuntura recém-divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O otimismo é baseado em parte nas boas condições da economia global e em parte na revisão das contas nacionais pelo IBGE. Pelas contas antigas, o produto potencial teria aumentado 3,1% no ano passado. Pelas novas, 3,8%. Esse conceito indica o limite de expansão econômica sem pressões inflacionárias. Para ampliar esse limite, criando folga para o crescimento seguro, governo e empresas têm de investir em equipamentos, fábricas, infra-estrutura e preparação de mão-de-obra. Mas a mensagem é completada com um toque de cautela. Nem tudo está pronto para um crescimento acelerado e, além disso, há sinais de alerta em vários indicadores. É preciso agir para evitar grandes complicações nos próximos anos.

Primeiro ponto: é necessário aumentar o crescimento econômico de forma controlada, evitando a rápida ocupação da capacidade produtiva. Se isso for feito, haverá tempo para a ampliação da capacidade produtiva, com medidas de curto e de longo prazos. É indispensável levar em conta o risco de gargalos. Um dos mais evidentes é a capacidade de oferta de energia elétrica. Sem maior atenção a esse fator, um crescimento mais veloz poderá ser contido, como observam os autores da análise, pela mera insuficiência de chuvas.

Mas é indispensável, também, levar em conta outros fatores. A curto prazo, não se prevêem desequilíbrios importantes no mercado de bens. O investimento para aumento da produção tem crescido e isso deve contribuir, dentro de algum tempo, para atenuar as pressões para aumento de preços. Além disso, ainda há folga, nas contas externas, para ampliação das importações. Tudo isso contribui para impedir uma inflação mais alta.

Mas nem por isso se deve descuidar da evolução da demanda. A procura de bens e serviços tem crescido mais velozmente que a oferta e convém corrigir esse descompasso, advertem os autores do documento. A advertência remete à política fiscal, isto é, à administração das contas públicas. De um lado, o peso da tributação dificulta o aumento da produção e, portanto, da oferta de produtos aos consumidores. De outro, o gasto público alimenta poderosamente a demanda. As pressões inflacionárias podem ser pouco visíveis a curto prazo, mas tendem a crescer, se não houver medidas corretivas.

O texto chama a atenção para o rápido crescimento dos gastos primários do governo, isto é, para as despesas de operação da máquina, de transferências a Estados e municípios e de investimentos - estes, certamente, pouco significativos no conjunto. Em 2005 e 2006, os gastos cresceram em média 9,1% ao ano, descontada a inflação, mais que o dobro da expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2007, a despesa primária acumulada até abril foi 9,9% maior que a de igual período de 2006. Não se pode sustentar esse descompasso por muito tempo sem gerar graves problemas para a economia, sob forma de uma carga tributária cada vez mais pesada ou de pressões inflacionárias dificilmente controláveis. Segundo os autores do boletim, o governo deveria empenhar-se, nos próximos meses, para obter a aprovação, pelo Congresso, do teto de 1,5% para o crescimento real do gasto com o funcionalismo. Mesmo essa recomendação, no entanto, pode ser muito otimista: criado aquele teto, haverá mais uma perigosa indexação na economia brasileira e, além disso, aquele teto acabará funcionando provavelmente como um piso. Sempre se encontrará uma saída legal para acomodar novas bondades, principalmente em época de eleição.

O governo tem dado muito mais atenção aos motivos de otimismo apontados no boletim do que aos sinais de alerta contidos em vários indicadores da economia. O documento do Ipea não menciona um detalhe importante, mas vale a pena lembrá-lo: sem medidas de prudência no lado fiscal, o equilíbrio da economia continuará a depender excessivamente da política monetária, com todos os custos daí decorrentes.