Título: A nova versão da reforma
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2007, Notas e Informações, p. A3

A maior oportunidade que o Brasil teve, desde a redemocratização, para mudar as regras do jogo político, eleitoral e partidário foi perdida em 1993, quando o presidencialismo saiu amplamente vitorioso no plebiscito sobre o regime e o sistema de governo. Sem entrar no mérito das alternativas oferecidas ao eleitor, muito menos nos fatores que determinaram o resultado da consulta, é certo que, tivessem então os brasileiros preferido o parlamentarismo, as normas da competição política e os critérios para a composição das câmaras legislativas teriam de ser revistos de alto a baixo. À falta disso, o Congresso passou 10 anos discutindo propostas de reforma, enquanto o sistema proporcional de listas abertas para deputado federal, estadual e vereador, adotado por muito poucos países, aliás, exibia o cortejo de vícios que o tornaria cada vez mais disfuncional.

Chegou-se a tal ponto em matéria de custos exorbitantes de campanha - gerando o uso sistêmico do caixa 2 -, distorção da vontade do eleitor por força da chamada evasão de votos, proliferação de legendas nanicas e a quase sempre remunerada infidelidade partidária, entre outras mazelas, que os políticos mais lúcidos conseguiram aprovar numa comissão especial da Câmara, contra a conveniência da grande maioria de seus pares, o projeto de reforma que, passados quatro anos, entrou semana passada na pauta de votações da Casa. Logo se viu, no entanto, que o seu ponto essencial - a adoção das listas partidárias fechadas para as eleições proporcionais - não tinha futuro: apesar do apoio de maioria expressiva dos comandos partidários à mudança, as bancadas ou se dividiram ou fecharam questão contra, como a do PSDB. Diante do risco de se ficar onde se está - no pior dos mundos possíveis -, os políticos puseram a funcionar a imaginação criadora.

Na quinta-feira, uma fronda de seis partidos (PT, PMDB, DEM, PC do B, PPS e PSB) aprovou a apresentação de um substitutivo ao texto do relator da comissão, Ronaldo Caiado. A vingar a nova proposta, o Brasil adotará uma variante do sistema de lista flexível, utilizado em países como Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Noruega e Suécia. O eleitor votará em um partido, conforme a proposta original, e, se quiser, votará também em um dos candidatos da lista pré-ordenada da mesma sigla. Metade das cadeiras a que ela tiver direito, pela regra da proporcionalidade, será ocupada pelos candidatos, de acordo com a sua posição na lista. A outra metade será ocupada pelos mais votados entre os nomes assinalados pelos eleitores. A experiência belga, que data de 1919, indica que o voto duplo - o qual, em termos práticos, dá ao eleitor a chance de alterar a ordenação feita pelos partidos - quase não altera a composição das bancadas, se fossem formadas apenas segundo as listas.

O ¿total-flex¿, como a modalidade já vem sendo chamada, contém problemas técnicos. Suponha-se, por exemplo, que uma legenda receba votos suficientes para eleger os 10 primeiros nomes da sua lista e outros tantos votados individualmente. Estes últimos poderão, ou não, ser aqueles mesmos 10. Se não forem, quem ficará de fora? Em princípio, os da lista, porém ainda resta dirimir a dúvida. Mais importante será compatibilizar o financiamento público exclusivo, que faz parte do pacote e se destinará a custear a campanha dos partidos, com as necessidades de recursos dos candidatos, se puderem fazer campanha própria - ou mesmo que não possam¿ O relator Ronaldo Caiado, ferrenho defensor do voto único em lista fechada, é pessimista. Acha que a flexibilização acaba com a razão de ser da extinção das doações privadas e pavimenta o caminho para a proliferação do caixa 2. ¿Será a maior corrupção eleitoral já vista no País¿, prevê.

O tempo dirá se ele tem razão. O essencial é que, ante o desastre irreparável das regras atuais e o descarte da alternativa da lista fechada ¿pura¿ - e sendo inviável o voto distrital, que só os tucanos parecem querer -, melhor isso do que nada. De resto, em 2015, depois de duas eleições municipais (2008 e 2012) e duas nacionais (2010 e 2014), o eleitor julgará o sistema por meio de um referendo.