Título: Lula e a bênção da inflação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2007, Notas e Informações, p. A3

Será uma bênção para o Brasil uma inflação de 4,5% ou 4% ao ano durante dez anos, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa entrevista ao jornal Valor. A inflação da maior parte dos emergentes é mais baixa e nem por isso eles crescem menos que o Brasil, mas isso o presidente não disse. Conhecida sua posição, dificilmente o Conselho Monetário Nacional adotará um objetivo mais ambicioso para 2009, quando tratar do assunto, na quarta-feira.

Se quisesse, no entanto, o governo teria espaço para avançar sem grande esforço. O mercado financeiro projeta para este ano uma inflação de 3,59%, medida pelo IPCA, e de 4% para 2008. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima 3,4% para 2007 e 4% para o próximo ano. Boa safra de alimentos, importações em alta e dólar barato favorecem a contenção dos preços. Não há por que prever uma situação menos propícia em 2009.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também é contrário à meta mais baixa. Segundo ele, a economia brasileira funciona bem com os 4,5% no centro do alvo. A inflação efetiva tem ficado abaixo daquele ponto, os juros têm caído e a produção e o consumo estão em alta. O Produto Interno Bruto (PIB) pode crescer 4,5% neste ano e a atividade poderá acelerar-se nos próximos anos. Se tudo caminha de forma tão animadora, para que escolher como objetivo uma inflação mais baixa e correr o risco de um novo aperto monetário?

Essa opinião é partilhada por economistas da base do governo, como o senador Aloizio Mercadante, e também por especialistas da academia e do setor privado, como o professor da PUC-SP Antônio Correa de Lacerda. Segundo outros, o desperdício seria provocado não pela decisão mais ambiciosa, mas pela acomodação: se a inflação já corre na altura de 4%, ou pouco menos, por que não aproveitar a chance para consolidar a expectativa do mercado? Isso não afetaria o crescimento, argumentou o estrategista do Banco BNP Paribas, Alexandre Lintz, apoiando a posição do ministro Paulo Bernardo.

A opinião do ministro da Fazenda e de seus aliados seria defensável, muito mais facilmente, se a política antiinflacionária fosse um obstáculo ao crescimento da economia brasileira. Os fatos mostram o contrário. Desde o começo do ano passado a inflação tem recuado seguidamente e a economia tem avançado com firmeza. A contenção dos preços tem contribuído de forma importante para o aumento da renda real dos consumidores. O resultado é visível na evolução das vendas do comércio varejista. Além disso, o investimento produtivo tem aumentado em vários setores.

A decisão de investir é menos afetada pelos juros do que por outros fatores, até porque as taxas cobradas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social são muito mais baixas que as do mercado. Os grandes obstáculos ao investimento são de outra natureza. Apesar das reclamações constantes contra a política do BC, os próprios empresários, quando consultados em pesquisas, costumam dar importância muito maior a outros fatores, com destaque para os impostos, excessivos e incompatíveis com a competição internacional.

O câmbio é um problema, sem dúvida, mas a competitividade brasileira seria muito maior se o setor produtivo ficasse livre de uma série de custos típicos do Brasil. Fazer dos juros a principal ameaça ao crescimento econômico é criar um fetiche, muito conveniente quando se quer desviar a atenção de questões muito mais importantes, como o excesso de gastos públicos improdutivos. O governo, por exemplo, acaba de acrescentar 626 cargos comissionados aos quadros federais, elevando para 22.189 o número de funcionários contratáveis sem concurso.

Mas o presidente Lula rejeita novos ¿sacrifícios¿. Quer dar prioridade, segundo seu argumento, à expansão da economia. O exemplo de outros emergentes mostra a fraqueza desse raciocínio. E, em relação ao governo, não há como falar de sacrifícios. O gasto federal não parou de crescer. O presidente nomeou sem restrição seus amigos e aliados, amigos e aliados de seus aliados e, nos últimos dias, até um ex-inimigo. Que sacrifício é esse?

Se o governo fixar em 4% a meta para 2009, dará uma indicação de bons propósitos e não afetará as perspectivas de crescimento. Se anunciar um sério programa de contenção de gastos e redução de impostos, desencadeará uma poderosa onda de otimismo.