Título: Sem prestígio, CPIs agonizam no Congresso
Autor: Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2007, Nacional, p. A12
De tão usadas - e, algumas vezes, mal usadas, como a dos Combustíveis, que terminou seus trabalhos sob suspeita de achaque a empresários do setor -, as CPIs chegaram ao estágio de fadiga. Perderam o encanto e não empolgam mais a população, constatam líderes partidários. Também rareou a publicidade natural em torno delas, antes feita pela mídia.
Na semana passada, duas tentativas de criação de CPIs foram enterradas. Uma pretendia investigar os abusos das empresas telefônicas; a outra, o escândalo das fraudes em licitações e contratos superfaturados para obras construídas com dinheiro do Orçamento.
¿Banalizaram as CPIs, porque tem um grupo de parlamentares que fica tentando criar uma comissão de inquérito a cada operação da Polícia Federal¿, critica o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). ¿Com isso, estão enfraquecendo as CPIs e tirando do Legislativo seu mais poderoso instrumento de investigação. E ainda dizem que os parlamentares que não as assinam são vendidos, omissos, de rabo preso.¿
A crítica de Alves refere-se diretamente aos deputados que ficam no Salão Verde, coletando assinaturas para CPIs. Um deles é Júlio Delgado (PSB-MG). Ele admite que o momento não está nada bom para a criação de CPIs: ¿Elas vivem uma crise. Não há como negar.¿
De acordo com o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição, as CPIs têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Em outras palavras, podem determinar a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, ordenar a prisão de quem prestar falso testemunho e fazer diligências. Podem ser criadas pela Câmara, pelo Senado ou em conjunto, mediante requerimento de um terço de seus integrantes - 171 na Câmara e 27 no Senado.
Devem ter por meta a apuração de fato determinado e existir por prazo certo. Suas conclusões serão encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
¿PEDRO BÓ E ZÉ GOIABA¿
Essas prerrogativas, no entanto, não têm garantido o sucesso das CPIs atuais. ¿O sistema de fiscalização e controle do Legislativo faliu, as comissões não concluem seus trabalhos e isso, por tabela, atingiu as CPIs¿, afirma o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR).
¿Conseguiram tirar o I das CPIs. Hoje elas não investigam mais; apenas tomam depoimentos e mais depoimentos¿, acrescenta Fruet, que ganhou respeitabilidade por sua atuação na CPI dos Correios.
Como CPIs do passado despertaram grande interesse da população, propuseram punições e estas aconteceram, hoje a sociedade mantém a expectativa de que, se uma CPI é instalada, todos os podres vão aparecer, com a conseqüente punição dos culpados, diz Fruet. ¿Essa CPI do Apagão Aéreo trata da gestão pública, mas é difícil o povo entender isso. Quer punição.¿ Foram criadas duas CPIs do Apagão, uma na Câmara, outra no Senado.
Por enquanto, as duas CPIs da crise dos aeroportos não foram a lugar nenhum, mas protagonizaram vexames, como os insultos mútuos dos dois relatores e a esquisita sugestão do deputado Vic Pires Franco (DEM-PA) para que a Gol trocasse as barrinhas de cereal oferecidas nos vôos. Três semanas atrás, o relator da comissão do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), chamou o relator da CPI da Câmara, Marco Maia (PT-RS), de ¿Pedro Bó¿. O deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), tomando as dores, chamou Demóstenes de ¿Zé Goiaba¿.
Entre as CPIs que mobilizaram a sociedade e tiveram êxito, pelo menos seis causaram grande repercussão e deram outro rumo para a história do País. Como a que investigou o governo de Fernando Collor (90-92), tornando-se o fator determinante para seu impeachment. A CPI dos Anões do Orçamento, que vasculhou a vida de 43 parlamentares e 3 governadores suspeitos de receber propinas de empreiteiras para infiltrar emendas de interesse de construtoras, inocentou 11 investigados, denunciou 19, levou 6 à cassação e 4 à renúncia.
EM SÉRIE
Entre as de grande alcance estão a dos Precatórios, que provocou a renúncia do então governador de Alagoas, Divaldo Suruagy (PMDB); a do Judiciário, que levou à cassação do senador Luiz Estevão (PMDB-DF); a do Narcotráfico, que permitiu a cassação do mandato do deputado Hildebrando Pascoal (AC), acusado de pertencer a um esquadrão da morte; e a dos Correios - dos 19 denunciados, 3 foram cassados, 4 renunciaram e 12 acabaram absolvidos.
¿CPI não é um instrumento de governo ou de oposição, mas do Parlamento. Como estão muito politizadas, correm o risco de acabar¿, insiste Alves. ¿Quando são usadas pelo governo ou simplesmente para que uns apareçam para os holofotes das TVs, criam efeitos danosos para elas próprias e assim vão se desgastando, tornando-se banais¿, diz Fruet.
¿A princípio, minha decisão era a de assinar todas as CPIs, independentemente do que pretendam investigar, mas revi minha posição, porque hoje estão instrumentalizadas por um lado ou por outro¿, relata o deputado Walter Pinheiro (BA), da ala esquerda do PT.
Pinheiro se queixa, dizendo que, mal iniciada a coleta de assinaturas para a CPI da Navalha, destinada a investigar os escândalos da empreiteira Gautama, já circulou outra lista, da CPI do Vavá - para investigar Genival Inácio da Silva, irmão do presidente Lula, denunciado pela PF por suspeita de tráfico de influência em estatais e exploração de prestígio.
CRITÉRIOS
O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), acha que é preciso ter critérios bem definidos para a criação de uma CPI. ¿Há coisas que a Polícia Federal faz muito melhor do que o Congresso. Essa Operação Xeque-Mate parece que está completa. Não vejo por que o Congresso tem de fazer a mesma coisa¿, diz Maia, sobre a investigação que levantou as suspeitas contra Vavá.
¿O próprio Dario Morelli Filho revelou que soube da operação com antecedência¿, afirmou Maia, citando o compadre de Lula. ¿Quero saber se no relatório a PF esclareceu isso e pediu para o Ministério Público apurar. Se assim procedeu, está ótimo. Se não, aí é o caso de uma CPI, ou de uma investigação diferente.¿