Título: Incentivos fiscais à importação?
Autor: Moraes, Guilherme Duque Estrada de
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2007, Economia, p. B2
Talvez o leitor se surpreenda com o título. Incentivos fiscais costumam ser destinados ao desenvolvimento industrial e às exportações, respeitadas as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Incentivar importações não é prática comum. A não ser no Brasil.
Não se trata, entretanto, de questionar a Zona Franca de Manaus, que está prevista na Constituição. Nem de discutir vantagens ou desvantagens das lojas duty-free na área de desembarque dos aeroportos, e não apenas no embarque, como na maioria dos países. O que se quer discutir são estímulos oferecidos por alguns Estados a empresas que, neles se sediando ou instalando filiais, recebem generosas vantagens no campo do ICMS, reduzindo o custo de suas importações. Os produtos assim importados ficam, naturalmente, em posição privilegiada para competir com os produtos nacionais.
A prática começou há muito. Aos poucos, alguns Estados foram introduzindo em sua legislação dispositivos concedendo, por exemplo, a dilação do prazo de recolhimento do ICMS incidente sobre produtos importados por empresas que neles instalem simples depósitos de mercadorias. Por questão de competição entre os próprios Estados, a prática se disseminou e hoje é adotada em quase todo o Nordeste, assim como em outras regiões do País, com a justificativa de criar empregos e movimentar a economia local.
O benefício criou sérias distorções, que começam pelo acirramento da guerra fiscal e vão até a criação de um ambiente de competição desigual entre as empresas. Poucos sabem, mas, dependendo do Estado, o mecanismo permite, na prática, a dispensa do pagamento do ICMS ou o seu financiamento a longo prazo, com descontos atraentes para quem paga antes do prazo previsto.
Alguns Estados, como São Paulo, estão questionando esses incentivos. E, na verdade, as empresas não merecem ser punidas por usá-los. Elas utilizaram facilidades concedidas por leis estaduais, na busca de competitividade, até porque se uma empresa usar essas facilidades e suas concorrentes não o fizerem, as últimas estarão em desvantagem. Mas não há dúvida de que são benefícios nefastos, que não deveriam ter sido criados, pois, ao reduzir a competitividade do produto brasileiro perante o importado, enfraquecem a indústria brasileira como um todo.
É hora de acabarmos com distorções como as aqui descritas. O melhor caminho seria o da substituição do ICMS, do IPI, do ISS, do PIS, da Cofins e de tantos outros tributos por um imposto único nacional - e não federal - sobre o valor agregado. Ou seja, um IVA sujeito a uma só lei, repartido, no momento do recolhimento, entre União, Estados e municípios, com as posteriores compensações e ajustes cabíveis. O que as empresas ganhariam com a eliminação de obrigações acessórias e com a economia de tempo no acompanhamento de regulamentos complexos e incoerentes já representaria um enorme ganho de produtividade. Sem contar que a simplificação do sistema tornaria a fiscalização mais eficaz e menos sujeita à corrupção. Infelizmente, essa proposta ainda não encontra consenso entre governadores e parlamentares, embora recentemente o Ministério da Fazenda tenha acenado com um projeto nessa linha, ainda que menos abrangente.
Tornou-se lugar-comum dizer que uma reforma tributária efetiva é muito difícil, talvez impossível. Difícil, sim, impossível, não. Sobretudo se os teimosos, na ótica dos mais acomodados, ou os perseverantes, assim vistos pelos que lutam por um Brasil melhor, continuarem insistindo na solução adequada.
Mas, enquanto isso não ocorre, é preciso pôr um fim à concessão de novos incentivos fiscais à importação. Não é necessário esperar a reforma tributária. Os Estados podem fazê-lo. Que, por determinado prazo, se mantenham os direitos das empresas que gozam do benefício, mas que não sejam concedidos novos benefícios dessa natureza. Até porque representam renúncia fiscal por parte dos Estados, afetando sua capacidade de devolver créditos do ICMS às empresas exportadoras que produzem nesses mesmos Estados, o que resulta numa inaceitável inversão de valores, com importadores sendo premiados à custa de exportadores.