Título: 'Sem Doha, crescimento será menor'
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2007, Economia, p. B3

Com o colapso das negociações do G-4 em Potsdam, na quinta-feira, muitos especialistas começaram a pensar seriamente num cenário até pouco tempo remoto: um mundo sem Doha. O que acontecerá com o comércio mundial sem as negociações multilaterais? E o Brasil, como é que fica sem um acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC)? Os efeitos do fracasso de Doha não serão imediatamente visíveis, mas em alguns anos o comércio mundial começará a perder o fôlego, avisa Gary Hufbauer, economista-sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional e um dois maiores especialistas do mundo em comércio.

Hufbauer prevê uma proliferação das barreiras sanitárias como forma de protecionismo. Ele não acha que seja muito tarde para o Brasil entrar no jogo dos bilaterais, mas afirma que o País não conseguirá muitas concessões. Apesar de extremamente desanimado depois do debacle de Potsdam, Hufbauer ainda não perdeu totalmente as esperanças. Abaixo, trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado.

Depois do colapso das negociações do G-4, em Potsdam, qual é o futuro da Rodada Doha?

Muito desanimador. Os países passaram dias em negociações intensas e ninguém cedeu em nada. A probabilidade de a rodada dar certo é muito pequena. Mas há um detalhe importante: os ministros envolvidos nas negociações têm um tremendo incentivo para concluir a rodada, investiram muito, não haverá segunda chance para muitos deles, que não estarão por aí nas próximas negociações. Está em jogo a carreira de muitos desses ministros. Outra possibilidade é Pascal Lamy promover um encontro do 'gabinete de crise' , que ele havia mencionado fazer se tudo estivesse perdido.

O que acontece com o comércio mundial se não houver Doha?

No momento, há muito embalo no comércio mundial e nós não vamos perceber os efeitos de um fracasso de Doha. Da mesma maneira que os benefícios da liberalização comercial levam entre 3 a 10 anos após a assinatura dos acordos para serem sentidos, leva alguns anos para os efeitos negativos de uma não-abertura serem percebidos. Sem Doha, vamos ter uma desaceleração significativa no ritmo de crescimento mundial e um aumento do protecionismo. O comércio vinha crescendo muito acima da renda nos últimos anos, cerca de 3 pontos porcentuais acima, e isso vai desacelerar sem Doha, principalmente no setor de serviços. E os países ficarão mais agressivos na busca de novas formas de protecionismo. Em um cenário que afeta o Brasil em especial, as barreiras sanitárias devem ter um grande impulso. Não vejo um grande aumento em tarifas, mas alguns países vão impor todo tipo de barreira não tarifária.

Quem sofre mais com um possível fracasso de Doha?

Os países pobres e pequenos são os maiores perdedores. Eles não têm nenhuma alternativa de negociação. Não estou falando de Brasil ou Indonésia, e sim de Camboja e Bolívia.

O Brasil apostou tudo na rodada multilateral e não tem acordos bilaterais de peso. O que acontece com o País se Doha fracassar?

O Brasil é uma potência, como a Índia, então deveria ter muitas alternativas de acordos. Por causa de seu peso, deveria, facilmente, poder fechar acordos com a Coréia, Chile... No entanto, por causa de resistência política interna, só conseguiu chegar a um consenso sobre as negociações da OMC. Será preciso ter uma mudança na atitude do governo.

O chanceler Celso Amorim já havia dito que, após Doha, o Brasil iria buscar acordos bilaterais e regionais como UE-Mercosul. Ainda dá tempo?

Eu acho que o Brasil nunca estará atrasado. Com Doha ou sem Doha, teremos vários acordos bilaterais nos próximos anos no mundo. E o Brasil certamente pode ser parte disso. Mas há limitações. O que o Brasil e a UE vão negociar certamente não irá incluir grandes concessões em agricultura, embora possa haver abertura para exportações industriais brasileiras. Mas agrícolas, dificilmente. Se a UE não conseguiu chegar a um acordo sobre o setor agrícola com os EUA, imagine com o Brasil, que é o país agrícola mais competitivo do mundo.

Qual é a probabilidade de o Congresso renovar o Trade Promotion Authority (mecanismo que possibilita ao Executivo negociar acordos comerciais sem sofrer emendas do Congresso) antes de ele expirar (em 1.º de julho)?

A possibilidade para isso está bem próxima de zero. Membros do Congresso e do governo têm afirmado que é preciso haver algum avanço significativo na Rodada Doha para que concedam a renovação do TPA, e os últimos capítulos da negociação não são animadores. Mas estamos também em uma armadilha do tipo 'o que veio antes, o ovo ou a galinha?', porque outros dizem que a rodada não terá grande avanço sem o TPA, ninguém vai negociar para depois correr o risco de o acordo ser modificado no Congresso.

Como o sr. avalia a oferta de Susan Schwab, de reduzir o teto de US$ 22 bilhões para US$ 17 bilhões para os subsídios agrícolas concedidos pelos EUA?

Olha, eu disse em uma palestra esta semana: US$ 12 bilhões é o mínimo que devemos oferecer. Isso porque nós nem damos todo esse dinheiro para os agricultores, há muita 'água' (diferença entre o teto e o que realmente é dado) para cortar. Nós demos US$ 11 bilhões em 2006 e vamos dar só US$ 9 bilhões este ano.