Título: Sem OMC, Mercosul enfrenta novo desafio
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2007, Economia, p. B5
O Brasil e os parceiros originais do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), que precisam buscar novos mercados e ampliar o comércio para seus produtos, reclamaram do fiasco promovido pelos países ricos nas negociações da Rodada de Doha, em Potsdam (Alemanha), na semana passada, mas vão se reunir na quinta e sexta-feira para adotar medidas protecionistas em favor de segmentos industriais.
Na 33ª Reunião de Cúpula do Mercosul, em Assunção (Paraguai), em vez de atacar os vícios da TEC (Tarifa Externa Comum), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os três colegas deverão dar o aval para que o bloco aumente as tarifas de importação de tecidos, vestuários, calçados e tapetes.
O fracasso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) legará ao Mercosul o pesado desafio de enfrentar seus próprios demônios. Criado 12 anos atrás, o bloco terá como alternativa aos ganhos esperados no âmbito multilateral a tarefa de embrenhar-se agora em negociações de liberalização comercial com os parceiros de maior interesse de seus setores produtivos. Esse dilema deverá dominar boa parte dos debates entre os presidentes dos países sócios do bloco.
Quando ainda se preparava para o embate em Potsdam, no início da semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, assinalou que o próximo passo seria a retomada de negociações de acordos comerciais do Mercosul. A primeira delas, indicou o chanceler, seria com a União Européia, suspensa desde setembro de 2005. O dilema, entretanto, será em quais condições o Mercosul se apresentará para tal tarefa - e propor um aumento de tarifas protecionistas é um mau começo para quem quer destravar uma negociação emperrada.
'O mundo está menos interessado no Mercosul. O bloco está claramente fragilizado e com menor credibilidade', avaliou o ex-chanceler Celso Lafer. 'Quem vai querer negociar hoje com o Mercosul?', faz coro o também ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia. 'O Mercosul perdeu o bonde da história e deixou escapar a época em que era mais fácil negociar acordos de livre comércio.'
Para André Nassar, presidente do Instituto de Comércio Exterior e Negociações Internacionais, 'o Mercosul terá de enfrentar seus demônios, entre eles a adesão precipitada da Venezuela, se quiser levar adiante uma agenda de negociações externas'.
Na reunião de Assunção, o demônio de uma TEC ultrapassada é pauta certa nas discussões. Trata-se da definição de regras para acabar com a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum quando um produto importado por um país cruza a fronteira de seu sócio do bloco - discussão que se arrasta há anos. Paradoxalmente, em vez de enfrentar a distorção e iniciar sua atualização, por proposta de Brasil e Argentina os sócios devem aprovar o tal aumento de tarifas (tecidos, vestuários, calçados e tapetes).
O grau diferenciado de desenvolvimento das quatro economias - outro demônio - continua a ser um piores dos obstáculos a qualquer iniciativa de harmonização de políticas. Como ressaltou Antônio Donizete Beraldo, chefe do Departamento de Comércio Exterior da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), esse também é um dos fatores que levam o bloco, em toda a negociação, a puxar suas ofertas ao mínimo denominador comum. O resultado é inevitável: acordo magro, como o assinado entre Mercosul e Índia.