Título: Que será da USP?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2007, Notas e Informações, p. A3

Esta pergunta não é retórica. Vem sendo feita com inquietação crescente por muitos professores da principal instituição acadêmica brasileira, a Universidade de São Paulo (USP). A incerteza e a angústia que a revestem se propagaram à medida que se prolongava o descalabro instaurado pela impune ocupação da Reitoria - encerrada aos 50 dias, na última sexta-feira -, seguida das greves impostas por minorias vociferantes de alunos e professores, com o costumeiro assédio, à beira da violência física, aos que ousavam deles divergir e pela ainda mais virulenta tropa de choque do sindicato dos funcionários da USP. O desassossego começou, como se sabe, com os intempestivos decretos do governador José Serra, aos quais se atribuiu a intenção de ferir a autonomia das universidades estaduais paulistas.

Muito pior, porém, foram os ziguezagues e, acima de tudo, a imperdoável leniência da reitora Suely Vilela em face da invasão. A sua falta de pulso acabou promovendo um grupelho de extremistas e a sua massa de atarantados a heróis da universidade pública. Quando a ocupação estava para completar 7 semanas - como se não existisse o mandado de reintegração de posse da Reitoria, concedido pela Justiça no 13º dia da agressão, esta sim, à autonomia universitária -, pareceu, já não sem tempo, que a reitora havia encontrado o eixo. Ela fez saber que cessara o ciclo de conversa fiada com os invasores, impropriamente chamado de negociações, e só seria reaberto depois da ¿imediata desocupação¿. Sem isso, acrescentou, não teriam seguimento nem mesmo as reivindicações estudantis acolhidas.

Qual o quê! Na semana passada, quando era notório que a invasão, acometida de hemorragia, estava fadada a se esvair por si só - um ¿indicativo¿ de desocupação fora aprovado no dia 12 -, eis que a reitora novamente se dobrou à ilegalidade. Ela se comprometeu por escrito a não punir quem quer que seja por aquilo que aceitou, assombrosamente, considerar ¿atos de manifestação própria e natural do movimento sindical e do movimento estudantil¿, nisso incluído ¿o ato em si de ocupação¿.

Obviamente, não vale o papel em que foi digitada a ressalva de que, ¿uma vez identificados¿, os responsáveis por ¿excessos, abusos e prejuízos¿ na Reitoria - já amplamente constatados pelos peritos da Polícia Científica e atestados pela imprensa - responderão a sindicância, ¿assegurado o direito do contraditório e da ampla defesa¿. Seria de rir, se não doesse tanto.

A própria desocupação, com brigas, escárnio e cenas de violência, mostrou até aos desavisados o inconfundível modus operandi dos truculentos aspirantes a campeões da autonomia universitária. De seu primarismo fala melhor do que ninguém a entrevista ao Estado de ontem da jornalista Rose Nogueira, chamada pelos invasores a mediar os entendimentos com a reitora. Quando saiu o decreto declaratório do governador, acabando de uma vez por todas com as faladas ameaças às universidades estaduais, ¿a maioria dos estudantes não acreditou ou não prestou atenção¿, conta a insuspeita Rose. Um aluno lhe disse que ¿esse povo¿ (os colegas) sabe do que se trata, ¿mas vai fazer de conta que não sabe¿. Outros, reivindicando a reforma dos estatutos da USP, ¿falavam em `instituinte¿; não tinham noção do que era um estatuto¿.

Para outros, ainda, o secretário de Justiça que os procurou não representava o governador, pois ele seria membro do Judiciário. No entanto, como motivo para se perguntar ¿que será da USP?¿, nada se compara ao regozijo do lúmpen-professorado diante das ações trogloditas de alunos e funcionários. Quando, não bastasse a face impassível dos dirigentes acadêmicos, um luminar diz que a ocupação ¿foi um dos movimentos mais bonitos que eu já vi na USP¿, esperar o quê?

É verdade que as vozes da treva estão longe de representar o corpo docente. O problema é que a maioria dos seus desacorçoados integrantes, que não transigem com os valores próprios da vida universitária em qualquer lugar do mundo, tende a ficar intimidada - compreensivelmente - pelas falanges do caos. (Ainda assim, ao menos 800 docentes firmaram um abaixo-assinado pela desocupação da Reitoria.) O vazio de liderança e a erosão da autoridade expõem a instituição ao perigo do desmanche.