Título: O Mercosul pós-Doha
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2007, Notas e Informações, p. A3

Os presidentes do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai devem reunir-se quinta-feira, em Assunção, para discutir a ajuda aos sócios menores do Mercosul e a estratégia do bloco diante do fracasso, agora quase certo, da negociação global de comércio. Resta uma pequena esperança de salvação da rodada, mesmo depois do fiasco, na última semana, das conversações entre os ministros do G-4 (Brasil, Índia, EUA e União Européia) em Potsdam. Mas ninguém mais aposta num acordo ambicioso e a saída mais provável, para os países mais ativos no comércio internacional, será a multiplicação de acordos bilaterais e regionais.

A pauta do encontro em Assunção será repleta de cobranças, principalmente ao Brasil. Os governos do Uruguai e do Paraguai querem melhor tratamento no Mercosul. O governo brasileiro tem mostrado simpatia pela concessão de um importante benefício. As indústrias paraguaias e uruguaias ficariam livres da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum. Essa dupla cobrança é uma das aberrações do Mercosul: o imposto incide quando o produto ingressa no bloco, em qualquer país sócio, e é novamente cobrado quando há reexportação para um parceiro.

O governo argentino é contrário à concessão e nisso é apoiado por algumas indústrias brasileiras. Uruguai e Paraguai, argumentam os críticos da proposta, podem tornar-se reexportadores de grande volume de componentes originários da China e de outras potências comerciais da Ásia.

Os governos do Uruguai e do Paraguai cobrarão também, quase certamente, maior volume de recursos para redução das ¿assimetrias¿. Na prática, os maiores sócios teriam de pôr mais dinheiro no Fundo de Compensação Estrutural, alimentado principalmente com dinheiro fornecido pelo Brasil.

Mas nesta altura não basta cuidar dos problemas internos do Mercosul. O bloco tem uma porção de fraturas e algumas podem agravar-se. As autoridades paraguaias têm sido pressionadas para obter do Brasil uma renegociação da dívida relativa à construção da Usina de Itaipu. Uruguaios e argentinos ainda não se entenderam a respeito das papeleiras na margem uruguaia do Rio Paraná. Se essas divergências fossem eliminadas, ainda sobrariam frustrações de outra ordem: o Mercosul não tem nenhum acordo de livre-comércio com grandes parceiros. A política externa do bloco tem sido um fracasso em termos econômicos.

Cinco anos e meio depois de lançada, a Rodada Doha está paralisada e, se for concluída, resultará em benefícios muito mais modestos que aqueles imaginados inicialmente. Durante esse período, o Mercosul enterrou a negociação da Alca, principalmente por causa da orientação política dos governos do Brasil e da Argentina. O Uruguai negociou com os EUA um acordo de investimentos e tem ameaçado deixar o Mercosul, se puder negociar um acordo de livre-comércio com a maior economia do mundo. O Paraguai tem mostrado inclinação semelhante. Para os dois países, a experiência do bloco regional foi frustrante, segundo seus governantes e muitos de seus empresários.

As conversações com a União Européia foram praticamente abandonadas há dois anos. Seriam retomadas em bases mais seguras, segundo se argumentou por algum tempo, depois da conclusão da Rodada Doha. A negociação global criaria o piso para as concessões entre os dois blocos. Neste momento, esse piso não existe e nenhum agricultor da Europa estará ansioso para aceitar a concorrência de produtores sul-americanos.

Se os quatro governos estiverem dispostos a mais um exercício de auto-engano, poderão programar negociações com outros blocos e países do mundo em desenvolvimento, na linha Sul-Sul defendida pela diplomacia petista. O primeiro problema será convencer os demais governos do mundo em desenvolvimento a dar prioridade ao Mercosul. Eles têm-se mostrado muito mais atraídos por acordos com os países do Primeiro Mundo.

Por enquanto, a única notícia boa sobre a próxima reunião de cúpula do Mercosul é a ausência do presidente venezuelano Hugo Chávez. Ele estará na Rússia, discutindo negócios na área militar. Essa é sua prioridade. O ¿velho Mercosul¿, disse Chávez na semana passada, não lhe interessa. Ausente, ele pelo menos não atrapalhará a discussão.