Título: Assassinatos e escândalos abalam política de 'segurança democrática'
Autor: Castañeda, Jorge
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2007, Internacional, p. A18

O assassinato de 11 legisladores reféns dos guerrilheiros das Farc é um lembrete da eterna agonia da Colômbia. Estranhamente, no entanto, o país está hoje na melhor situação em anos, graças principalmente à liderança do presidente Álvaro Uribe.

Sem dúvida, como os assassinatos mostram, a Colômbia continua sendo um lugar bizarro, que enfrenta desafios estranhos e intratáveis. Alguns dos reféns dos guerrilheiros das Farc estão há vários anos no cativeiro. Crianças ainda integram as fileiras dos grupos paramilitares e existem vídeos comprometedores de importantes políticos com barões da droga. E a situação possivelmente mais estranha é que há guerrilheiros presos que se recusam a ser libertados e um governo que insiste em soltá-los.

Uribe foi reeleito há pouco mais de um ano por maioria esmagadora, num tributo à popularidade e à eficácia de sua política de 'segurança democrática', que inclui combater tanto a guerrilha quanto a violência generalizada no país. O mais antigo sistema bipartidário da América Latina foi dizimado naquela eleição, pois o candidato presidencial do Pólo Democrático conquistou mais votos que o concorrente do Partido Liberal, finalmente dando expressão eleitoral a forças de esquerda que nunca haviam visto maior potencial de mudança nas urnas do que na guerra nas montanhas.

As negociações sobre o Acordo de Livre Comércio (FTA, na sigla em inglês) entre a Colômbia e os EUA foram concluídas. Até o questionável acordo que Uribe fez com os grupos paramilitares direitistas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) - perdoando até 30 mil de seus membros, acusados de crimes muitas vezes horrendos, em troca de seu desarmamento - pareceu bem-sucedido. Com Uribe no comando, a Colômbia parecia viver uma ótima fase.

Mas grande parte desse sucesso foi diluída e agora a Colômbia e Uribe estão em apuros. Os escândalos da chamada 'parapolítica' sacudiram o governo de Uribe, forçando a renúncia de alguns ministros e comprometendo outros líderes, entre eles o próprio presidente. Fotos, vídeos e gravações de áudio de políticos e matadores paramilitares (incluindo um que se vangloria de ter eliminado pessoalmente mais de 300 inimigos) desacreditaram uma elite política que nunca foi muito popular e contra a qual agora se confirmam algumas das piores suspeitas.

EXÉRCITO PARALELO

Durante anos, ativistas pró-direitos humanos e estudiosos suspeitaram do óbvio: o surgimento de um exército paralelo enorme, corrupto, bem armado e bem treinado para combater os rebeldes não foi um fato espontâneo. Tratava-se, segundo a suspeita de muitos, de uma política concebida e adotada pelos militares e pela elite política para fazer guerra clandestinamente. E as revelações da parapolítica parecem confirmar outra suspeita: a distinção entre os paramilitares e os cartéis da droga, como aquela entre os guerrilheiros e os cartéis, não é clara.

Infelizmente, essas revelações surgem no pior momento possível. O acordo comercial da Colômbia com os EUA passou a correr perigo quando os republicanos perderam a maioria no Congresso americano, em novembro. Ainda assim, ele parecia ter mais chances que os pactos comerciais pendentes com o Panamá e o Peru. Agora, parece que o principal aliado de George W. Bush no hemisfério ficará sem o FTA, graças a preocupações sobre direitos humanos no Congresso dos EUA. Além disso, o país poderá perder o Plano Colômbia, o enorme e polêmico programa de ajuda americano que canalizou dezenas de bilhões de dólares para a Colômbia desde o final dos anos 90, oficialmente para combater cartéis da droga, mas também, na prática, para promover a contra-insurgência.

Uribe passou semanas fazendo lobby direto e pessoal com importantes congressistas americanos, e sem dúvida é o melhor defensor de sua própria causa. No entanto, assim como o ex-vice-presidente americano Al Gore se recusou recentemente a participar de um debate com Uribe em Miami, há muitos membros do Congresso que se recusam a aprovar um acordo comercial ou um pacote de ajuda que possam associá-los a um governo manchado por notórios abusos dos direitos humanos, pela cumplicidade com barões da droga ou por ambos.

Os EUA nunca desejaram realmente incluir questões de direitos humanos em acordos comerciais; no máximo, e só quando obrigados, os presidentes americanos aceitaram a inclusão de capítulos sobre trabalho e ambiente. A União Européia pensa diferente: em seu pacto de cooperação econômica e livre comércio com o México, por exemplo, o bloco insistiu, com sucesso, na inclusão de uma 'cláusula democrática' que condicionou os benefícios econômicos ao respeito à democracia e aos direitos humanos.

O histórico manchado da Colômbia na questão dos direitos humanos afeta a reputação internacional do governo e dá munição aos que querem sabotar o FTA. Por exemplo, os democratas protecionistas no Congresso dos EUA conseguirão evitar acusações de opor-se ao livre comércio no caso de impedirem o FTA com a Colômbia, pois provavelmente ratificarão os acordos com o Panamá e o Peru.

Uribe sobreviverá aos problemas? A resposta é quase com certeza positiva, a menos que a confusão parapolítica o atinja diretamente ou os EUA rejeitem explicitamente o FTA e adiem ou condicionem a renovação do financiamento do Plano Colômbia.

O ocaso político de Uribe prejudicaria a todos, mas a rejeição do FTA por razões de direitos humanos poderia criar um precedente saudável. Numa região onde crescem as ameaças à democracia e aos direitos humanos, não é má idéia ligar a política comercial e econômica a essas preocupações. Uribe pode não merecer tal destino, mas a História age de maneiras inesperadas.