Título: Sem eira nem beira
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2007, Nacional, p. A6

O Senado está perdido. Não tem embocadura para resolver o caso Renan Calheiros, tenta transferir a ele a responsabilidade da solução - cobrando reiteradas e inúteis vezes seu afastamento da presidência da Casa - e hoje é um refém da capacidade de resistência de um homem acusado, politicamente combalido e que não tem mais nada a perder em termos de imagem pública.

O Senado está perdido porque, acostumado às relações referidas nos punhos de renda, não sabe reconhecer o momento em que se impõe o uso da mão de ferro. E não necessariamente para condenar o senador Calheiros, mas para se organizar, para se assenhorear de suas prerrogativas e resolver a questão seja para que lado for.

Sem consenso nem energia para dar um passo no caminho da absolvição ou da condenação, o colegiado afunda-se numa situação dantesca, sendo empurrado ao sabor de manobras toscas como essa da suposta dificuldade em nomear um relator para dar prosseguimento ao processo por quebra de decoro parlamentar aberto no Conselho de Ética.

O Senado não sabe o que fazer com Renan Calheiros e tampouco sabe como lidar com as denúncias contra o senador Joaquim Roriz, flagrado em gravações da polícia falando sobre uma partilha de dinheiro a respeito da qual forneceu uma explicação inverossímil.

Segundo ele, pediu empréstimo pessoal de R$ 300 mil a um amigo empresário, recebeu dele um cheque de R$ 2,2 milhões do Banco do Brasil, a ser descontado no Banco de Brasília por intermédio de um ex-presidente da instituição que, por sua vez, é suspeito de ter desviado R$ 50 milhões quando presidia o banco por nomeação de Joaquim Roriz, então governador de Brasília. Deu para entender?

Pois é, no Senado também ninguém entendeu. Roriz levou 72 horas - desde a divulgação do teor das gravações em que aparece combinando com o ex-presidente do BRB Tarcísio Franklin de Moura o transporte dos tais dois milhões para o escritório do presidente do conselho de administração da empresa aérea Gol, Constantino de Oliveira - para apresentar a intrincada explicação, sem esclarecer, entretanto, por que o cheque era de R$ 2,2 milhões se o empréstimo foi de R$ 300 mil.

De lá para cá Roriz não apareceu no plenário e seus pares, paralisados, continuam a cobrar esclarecimentos. Alegam não poder prejulgá-lo. De fato, não podem nem devem. Mas se não um julgamento, alguma iniciativa seria imprescindível.

Mais não fosse para saber se o Senado considera a história passível de investigação interna ou se prefere deixá-la ao encargo da polícia.

Ou mesmo nenhuma das alternativas, pois a Casa pode também concluir pela inconsistência total das suspeitas e decidir esquecer o assunto, custe-lhe isso qualquer preço, menos o da admissão da incapacidade de decisão ou a confissão de que aos senadores falta o atributo do discernimento para firmar convicções.

Mas, não. Ficam todos esperando Roriz resolver o problema para eles quando, ao acusado, só ocorre, obviamente, se escorar em alguma tábua de salvação.

Cobrar dele a repetição de justificativas (capengas) já apresentadas não é o suficiente para apagar a crescente sensação de que os senadores são ineptos para administrar adversidades e que produzem uma grande confusão para ganhar tempo e apostar na falta de memória nacional, a fim de voltar o quanto antes à vida rósea de sempre, trocando mesuras e fidalguias entre si.

A situação é grave, o Senado é alvo de chacotas em toda parte e insiste em ignorar a impossibilidade de continuar agindo a reboque dos acusados. Não adianta apelar à renúncia ou à licença do presidente do Senado.

Por iniciativa própria Renan Calheiros não dará um passo. Tem na alma frieza bastante para continuar exatamente onde está. Se quiserem derrubá-lo, que o façam, mas não esperem que ele empunhe a arma e dirija contra o próprio peito o tiro.

Como parece que falta coragem para tomar uma decisão, os senadores fazem triste figura ao sustentar a farsa do relator. Desde o impasse simulado há dias pelo então relator Epitácio Cafeteira e depois repetido pelo substituto Wellington Salgado, com as respectivas defesas da absolvição sem investigação, seguidas de renúncias, o Conselho de Ética está parado à espera de um novo relator.

Dois já se ofereceram para a tarefa (Eduardo Suplicy e Demóstenes Torres), mas não foram aceitos porque estão interessados em investigar. Os que não estão fazem parte da urdidura do impasse à qual ameaçou se integrar de vez o presidente do conselho, Sibá Machado, ao anunciar disposição de abandonar a presidência exatamente para que tudo fique como está: na mais completa degeneração.

Pesquisa

Quanto pior fica o País em matéria de padrão de comportamento, mais baixo é o nível de exigência da população.

E se o Parlamento ainda fornece matéria-prima para o desafogo de consciências, prestando-se voluntariamente ao papel de saco de pancadas da Nação, aí mesmo é que prevalece o conformismo.