Título: Bento XVI endurece as regras do conclave
Autor: Muniz, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2007, Vida&, p. A18

Para a escolha do sucessor de Bento XVI será exigida maioria de dois terços dos cardeais eleitores em todas as etapas de votação, decidiu o papa em um motu proprio divulgado ontem pelo Vaticano. Motu proprio é um documento que o pontífice escreve por sua iniciativa, e não como resposta a uma solicitação.

Desde 1996, regra criada por João Paulo II estabelecia que após sucessivas votações em que nenhum candidato obtivesse maioria qualificada de dois terços, os cardeais poderiam decidir por maioria simples (metade dos votos mais um).

¿O papa está fazendo um indicativo: `Quero um nome de consenso para me suceder¿¿, diz o teólogo Fernando Altemeyer Junior, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). ¿A orientação é que, se alguém vai governar a Igreja (Católica), cada vez mais complexa e internacional, não deve ser apoiado só por um dos muitos grupos em que os cardeais se dividem.¿ Para Altemeyer, a preocupação de Bento XVI lembra os tempos de Paulo VI (papa entre 1963 e 1978). ¿Paulo VI tinha uma verdadeira obsessão pela unidade a todo custo. Qualquer documento tinha de ter adesão máxima.¿

Com a decisão, Bento XVI modifica a constituição apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II em 22 de fevereiro de 1996.

`NORMA TRADICIONAL¿

O porta-voz do Vaticano, o jesuíta Federico Lombardi, confirmou que a modificação pretende ¿garantir o consenso mais amplo possível na nomeação do novo papa¿.

O Vaticano qualificou a medida de Bento XVI como uma ¿retomada¿ da ¿norma tradicional sobre a maioria necessária na eleição do sumo pontífice¿.

A votação para escolher o papa em um conclave começa imediatamente depois que todos os cardeais eleitores - os que têm menos de 80 anos - entram na Capela Sistina, no Vaticano, local tradicional para a definição dos sucessores.

Caso ninguém seja apontado por ao menos dois terços dos membros votantes do colégio cardinalício, nos dias seguintes ocorrem duas votações de manhã e outras duas à tarde.

Os cardeais são mantidos em total isolamento do mundo exterior: não podem usar telefone, receber jornais, ver televisão ou ter acesso à internet. Nem tradutores são admitidos.

Após três dias de votações sem resultado, ocorre uma suspensão de um dia para uma ¿pausa de oração¿. Em seguida, as votações voltam a ser realizadas e, se ainda assim o pontífice não for escolhido, será efetuado outro intervalo, seguido por sete tentativas.

O processo pode ser repetido em caso de indefinição e chegar a mais de 30 votações. A partir desse momento, pela regra introduzida por João Paulo II, o papa seria escolhido por metade mais um dos votos entre os dois cardeais que na última apuração tenham reunido o maior número de apoios.

¿O avanço na medida adotada pelo papa João Paulo II era evitar um impasse interminável¿, explica Altemeyer.

Mas o papa Bento XVI preferiu arquivar a inovação regimental. A partir do conclave para escolher seu sucessor, serão necessários os dois terços dos votos em todas as eventuais votações, sejam quantas forem.

Também foi estabelecido que, caso se chegue à etapa de escolha entre os dois mais votados, os finalistas não poderão mais votar, como era admitido.

ACORDOS VETADOS

Em outros aspectos, a constituição apostólica não foi alterada. O voto continuará secreto, por exemplo. Além disso, os cardeais eleitores continuam obrigados a se abster de qualquer forma de pacto, acordo ou promessa que possa obrigá-los a dar ou negar o voto a outros.

Quando foi eleito papa, em abril de 2005, o então cardeal Joseph Ratzinger obteve dois terços dos votos já na quarta votação.