Título: DNA não opera só por meio dos genes
Autor: Girardi, Giovana
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/06/2007, Vida&, p. A22

A idéia básica por trás do genoma humano - de que os genes são transcritos por moléculas de RNA mensageiro e estes codificam proteínas que então controlam todas as funções do organismo - há alguns anos vem sofrendo abalos. Agora um novo estudo confirma que o funcionamento do DNA é muito mais complexo. Os genes definitivamente não são tudo. Outros elementos estão em ação. A má notícia, no entanto, é que ainda não se descobriu exatamente como o genoma opera.

O problema da fórmula mágica, conhecida como dogma central, é que a quantidade de seqüências de letras que leva à produção de proteínas é de apenas 1% do genoma. Temos só 30 mil genes, número que surpreendeu os cientistas quando o genoma humano foi codificado, em 2003, justamente por ser pequeno demais. O arroz, para se ter uma idéia, tem 50 mil. Mesmo assim, por algum tempo se imaginou que todo o resto do genoma não tinha função nenhuma e ele recebeu o desonroso nome de DNA-lixo.

Aos poucos, no entanto, geneticistas começaram a observar que esse ¿lixo¿ tem um papel nas doenças genéticas. Eles viram que não apenas mutações em genes podem levar a problemas, como alterações nas letras (A, T, C e G) desses longos trechos também podem ser danosas.

A comprovação de que todo o genoma tem mesmo alguma função veio agora nos primeiros resultados do megaprojeto Encode (Enciclopédia dos Elementos do DNA, na sigla em inglês), divulgados hoje nas revistas Nature e Genome Research. O trabalho conduzido por 35 equipes de pesquisadores de 80 diferentes organizações em 11 países analisou com várias técnicas 1% do genoma humano e mostrou que praticamente o DNA inteiro é transcrito.

Ou seja, em vez de as moléculas de RNA mensageiro apenas lerem os trechos que codificam proteínas, elas também lêem todo o resto. Aparentemente essas seqüências que não são genes têm um papel regulatório essencial. ¿O lixo não é lixo. Ele está realmente ativo¿, afirmou em entrevista coletiva à imprensa o pesquisador Ewan Birney, do Laboratório Europeu de Biologia Molecular, em Cambridge, um dos líderes do estudo.

RESULTADOS PRÁTICOS

Apesar de essas constatações agregarem um conhecimento útil para quem trabalha na área, o estudo não avança em termos práticos. ¿Por baixo eles gastaram uns US$ 50 milhões para chegar a essa conclusão, mas o trabalho deixa em aberto a questão de como de fato o genoma funciona¿, pondera o geneticista brasileiro Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago.

Nóbrega está investigando exatamente o caso de uma mutação em uma seqüência não codificante do DNA que, quando ocorre, dobra o risco de uma pessoa ter diabete. ¿Mas, infelizmente, esse paper não traz nada de novo para o meu trabalho. Ele não explica, por exemplo, para onde o RNA mensageiro leva toda a informação dos trechos de DNA que não codificam proteínas ou o que as células fazem com essa informação. Não explica como pode levar a doenças¿, critica. ¿O primeiro passo está na direção certa, mas ainda precisamos de estratégias novas para entender o processo.¿