Título: Meta de inflação x crescimento do PIB
Autor: Lacerda, Antonio Corrêa de
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2007, Economia, p. B2
O Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu, na reunião realizada ontem, manter em 4,5% a meta da inflação de 2009. É a mesma meta atual, válida para 2007 e 2008, com uma banda-limite de dois pontos porcentuais abaixo ou acima do centro dessa meta. Foi uma decisão sensata. Havia discussões quanto à conveniência de se reduzir a meta de 2009 para 4%. Essa eventual redução, embora aparentemente pequena, representaria uma restrição potencial para a queda das taxas de juros reais, principalmente dadas as características brasileiras. Os principais argumentos dos que defendem a redução são que a inflação efetiva de 2006, de 3,1%, e a esperada para 2007, de 3,5%, estão bem abaixo do centro da meta de 4,5% e que nossa meta ainda é elevada se comparada à média de 3% ao ano dos demais países que adotaram a mesma sistemática. Segundo essa visão ortodoxa, uma redução da meta de inflação faria convergir as expectativas para uma inflação efetiva mais baixa, o que daria mais condições para o Banco Central (BC) reduzir a taxa de juros no futuro. Isso sem maiores sacrifícios da política monetária, uma vez que a inflação corrente está abaixo da meta. Apesar desses argumentos favoráveis à redução, estou entre aqueles que apóiam a decisão de manter a meta atual de 4,5%. A situação favorável da economia internacional, desde 2002, é inédita nas últimas três décadas. Mas nada pode garantir que continuará assim. No Brasil, não há nenhum mecanismo de tratamento para eventuais choques externos de juros e preços. Uma mudança brusca do quadro internacional exigiria uma política monetária mais apertada. Há ainda um outro fator a ser considerado que é o fato de ainda prevalecer a indexação de preços, como os administrados, por exemplo, atrelados ao IGP e ao IGP-M (índices gerais de preços), fortemente influenciados pelas variações cambiais e de preços no atacado. Assim, um eventual choque de custos provocado por mudança cambial, por exemplo, tende a contaminar, via indexação, outros preços da economia, elevando a inflação. Essa inflação maior, na visão ortodoxa - ainda predominante no Comitê de Política Monetária (Copom), que é quem define a política monetária -, inevitavelmente exigiria maior nível de juros, afetando negativamente o crescimento econômico. Portanto, a questão que está em jogo não é apenas referente ao 0,5 ponto porcentual na meta de inflação para daqui a dois anos, mas, no fundo, qual a prioridade da política econômica. Não se trata do velho e falso dilema entre inflação e crescimento, mas de aprimorar os instrumentos de política econômica para preservar os avanços conquistados e, ao mesmo tempo, propiciar melhores condições para o crescimento sustentado da economia. É claro que o crescimento não depende só da qualidade da gestão da política macroeconômica. Existem outros elementos tão importantes quanto, como a qualidade do ambiente de negócios, os demais fatores de competitividade sistêmica e o nível de produtividade, por exemplo. Mas erros de gestão da política econômica podem desalinhar os preços fundamentais da economia, como a taxa de câmbio, por exemplo, afetando negativamente o crescimento econômico, os investimentos produtivos e provocando todos os efeitos colaterais decorrentes, os impactos perversos sobre emprego e renda. Daí é muito importante que uma única variável da política econômica não se sobreponha às demais. Isso explica por que há países que relutam em adotar uma meta explícita de inflação. Não creio que ainda seja o caso do Brasil. A questão é que o alcance da meta de inflação não pode inviabilizar a realização das demais metas, explícitas ou implícitas, da política econômica. Ou seja, o problema maior está mesmo nessa história de o BC só olhar a meta de inflação. Como essas decisões de política econômica nunca são neutras, há sempre ganhadores e perdedores no processo. Os ganhos de arbitragem propiciados pela combinação vigente entre juros e câmbio no Brasil têm sido muito mais favorável à especulação do que à produção. Há ganhadores nesse processo, mas com certeza há muito mais perdedores, embora isso nem sempre seja facilmente perceptível.