Título: Ser moderno, olhar para trás
Autor: Novaes, Washington
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2007, Espaço Aberto, p. A2

Qualquer que seja o rumo que tomem daqui para a frente as negociações entre os países membros do G-8 e os chamados emergentes, a respeito de compromissos para redução das emissões de gases que intensificam o efeito estufa, essas metas obrigatórias acabarão acontecendo para todos. União Européia e Japão já as aceitam. Em algum momento, Estados Unidos, Rússia e os próprios ¿emergentes¿ as aceitarão em alguma medida. Porque o quadro que se desenha é muito grave. E as últimas dúvidas já foram eliminadas. Quem duvidar que leia na edição de 19 de maio extensa documentação da revista New Scientist (Climate change: a guide for the perplexed). Além do mais, em todos os setores responsáveis pelas emissões os avanços tecnológicos vão ocorrendo, na mesma medida em que cresce substancialmente o uso de energias renováveis não-poluentes. E num horizonte de algumas décadas não haverá como escapar ao esgotamento das fontes de combustíveis fósseis, principal fonte energética no mundo, hoje.

Uma das áreas de energia alternativa que mais avanços tem registrado nos últimos tempos é o da energia solar. A cidade de São Paulo mesma está para aprovar, na Câmara Municipal, projeto do prefeito Gilberto Kassab que torna obrigatória a instalação de aquecedores solares em novos prédios construídos com mais de três banheiros por apartamento. Também os novos edifícios comerciais, hotéis, motéis, clubes esportivos, lavanderias industriais, quartéis, hospitais, parte das indústrias, clínicas de estética, entre outros setores, serão obrigados a instalar esse tipo de aquecimento de água.

É um avanço importante. Como lembra a justificativa do projeto, cada metro quadrado de coletor de energia solar dispensa 52 metros quadrados de reservatório de hidrelétrica para produzir a mesma quantidade de energia (e é preciso lembrar a dificuldade progressiva para implantação de novas usinas). Por ora, o Brasil ainda tem uma proporção pequena desse tipo de equipamento: 1,2 metro quadrado por 100 habitantes, ante 17,5 m2 na Áustria e 3,2 m2 na China - quando 6% da energia produzida no País é consumida por chuveiros elétricos (18% do total nos chamados momentos de pico, no fim do dia e começo da noite). E a substituição pode, depois de pago o investimento inicial, reduzir em cerca de 30% a conta do usuário.

São Paulo não está sozinha nesse avanço. Em Porto Alegre já foi sancionada a lei que obriga as novas edificações públicas a terem sistemas de aquecimento solar de água que cubram, no mínimo, 40% da demanda de energia para esse fim. E a regulamentação da lei, a ser feita, criará incentivos fiscais para projetos que se adequarem.

As fontes de energias renováveis respondem hoje por 13% do consumo total no mundo, graças principalmente às hidrelétricas, geotérmicas e da biomassa. Mas as duas primeiras encontram limites na geologia e a biomassa dificilmente poderá passar de 10% do total. Por isso as energias solar e eólica são as que mais possibilidades têm de avançar. Principalmente levando em conta a perspectiva de a energia solar em três anos custar 40% menos que hoje, segundo o WorldWatch Institute, que calcula em 1% a parcela atual da demanda mundial de energia elétrica atendida por essa fonte. A energia eólica responde por 2,13%, com 74,22 GW (no Brasil, 0,13%, com 230 MW). O custo da energia solar caiu de 20 centavos de dólar por watt na década de 70 para 2,7 centavos em 2004.

A energia solar fotovoltaica tem aumentado sua participação em mais de 40% ao ano nos três últimos anos; a eólica, 18% ao ano. Na Dinamarca, 20% da eletricidade é provida por energia eólica. Na China, onde 80% do aquecimento de água é feito com energia solar, Rizhao, uma cidade de 3 milhões de habitantes, tem em 99% das casas aquecedores solares, que ocupam uma área de 500 mil metros quadrados. Ali, até os sinais de trânsito têm células fotovoltaicas.

Diz o Departamento de Energia dos Estados Unidos que este país poderia suprir toda a sua demanda de energia se ocupasse 1,6% do território com coletores solares. Alguns projetos de grande porte já estão em funcionamento ou em fase de implantação. No Deserto de Mojave, por exemplo, nove usinas solares fornecem energia para 300 mil pessoas, aquecendo óleo a 400 graus, para gerar vapor que aciona turbinas. O custo é de 15 centavos de dólar por quilowatt/hora, ante 4 centavos na energia do gás e 7 centavos na nuclear. Mas a previsão é de que o custo desse tipo de energia caia 50% em dez anos e, nos dez anos seguintes, chegue a 5 centavos por kWh. Com a vantagem de que é possível estocar óleo quente para os períodos sem insolação. Além dos Estados Unidos, Espanha, Austrália e Argélia são alguns dos países com forte investimento nessa área.

No Brasil, há quem calcule que com um quarto da área ocupada pelo reservatório de água de Itaipu, por exemplo, seria possível produzir a mesma quantidade de energia com painéis solares. O problema seria de estocagem.

Em muitos lugares já se implantam políticas de incentivos fiscais para estimular o avanço das energias renováveis - Alemanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos (21 Estados), China (que quer chegar a 15% de energias renováveis em 2020, ante 7,7% hoje). A Califórnia tem legislação para atingir 20% de renováveis em 2020.

No final das contas, nenhuma novidade: essas formas de energia já foram utilizadas durante muito tempo em muitos lugares. E abandonadas com a ¿invasão¿ do petróleo. Mas, como foi lembrado há algumas semanas pelo representante da Eletrobrás, Hamilton Moss, num Colóquio Internacional sobre Mudanças Climáticas, promovido pela Procuradoria do município do Rio de Janeiro, às vezes, como já disse Gilberto Gil, ¿ser moderno pode ser olhar para trás¿.