Título: Mercosul faz reunião sem Chávez
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2007, Economia, p. B9
Amanhã à tarde começam a desembarcar em Assunção os presidentes que vão participar da Cúpula do Mercosul, no fim de semana. O grupo, que terá a tarefa de resolver várias questões internas e externas, não contará com a presença do venezuelano Hugo Chávez, que estará reunido com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou, para acertar a compra de armas para o seu país.
Esta será a primeira vez que Chávez estará ausente dessas reuniões presidenciais desde julho de 2004, quando pediu que seu país fosse aceito no Mercosul. Ainda assim, sua figura promete ser o centro de debates.
Nos últimos meses, a entrada da Venezuela no bloco voltou a ser discutida. Setores de oposição nos países membros pedem a interrupção do processo de adesão argumentando que o governo Chávez viola a cláusula democrática do Mercosul. Também alegam que o temperamental presidente venezuelano colocará a pique as delicadas negociações comerciais com outros países e blocos.
Líderes da oposição afirmam que a entrada da Venezuela no Mercosul foi uma decisão 'mais política do que técnica' e o bloco pagará os custos da 'apressada' inclusão.
'A Venezuela de Chávez torna impossível uma negociação do Mercosul com os EUA e complica muito o acordo com a União Européia. A preocupação é que achem que o resto do Mercosul compartilha as idéias radicalizadas de Chávez', disse o especialista Rosendo Fraga.
O ex-ministro da Economia Roberto Lavagna, candidato à Presidência da Argentina nas eleições de outubro, também critica a entrada da Venezuela. 'Será ruim para o Mercosul.'
No Uruguai, os principais líderes da oposição afirmam que a Venezuela passa por um processo de 'deterioração da democracia'. Eles pedem que seu país reveja a aprovação da entrada da Venezuela no bloco.
Na segunda-feira, em Montevidéu, o Parlamento do Mercosul, em sua terceira sessão, não pôde votar o requerimento para a criação de uma comissão que pretendia avaliar a liberdade de imprensa e de expressão na Venezuela, tema que se acirrou após o cancelamento da concessão da RCTV, a mais poderosa rede de TV do país.
A votação foi impedida pela saída antecipada dos parlamentares argentinos, que alegaram que precisavam sair mais cedo por 'problemas nos aeroportos'. O motivo real dessa partida apressada teria sido a falta de disposição do governo do presidente Néstor Kirchner de irritar Chávez, o principal comprador de bônus argentinos.
Chávez também costuma socorrer Kirchner com providenciais carregamentos de diesel quando a crise energética pisa nos calcanhares do presidente argentino. No entanto, a adesão de Kirchner a Chávez, que antes era irrestrita, começa a se esvair lentamente.
O ex-secretário de Indústria da Argentina Dante Sica, atual diretor da consultoria Abeceb, disse ao Estado que 'a entrada oficial da Venezuela no Mercosul precedeu os trabalhos técnicos de convergência nos diferentes campos da integração'.
Além disso, a Venezuela pretende ser sócio com privilégios, já que os negociadores de Chávez deixaram claro que não pretendem adotar normas cruciais do bloco, como as sobre incentivos, proteção ao ambiente e a defesa da concorrência. Apesar da necessidade financeira e energética que a Argentina tem da Venezuela, o comportamento de Chávez começa a irritar o governo Kirchner. 'O impacto político da entrada da Venezuela no bloco já está se diluindo', afirma Sica.
BRIGUENTO
No bloco, a Venezuela obteve a peculiar categoria de 'membro pleno em processo de adesão'. com direito a voz, mas não ao voto. O país está iniciando o processo de adaptação às normas do Mercosul para poder integrar-se até 2013.
Para tornar-se sócio pleno, sua entrada precisa ser aprovada pelos Parlamentos dos quatro países fundadores do bloco. Montevidéu e Buenos Aires já o fizeram. Faltam Brasília e Assunção. O problema é que na capital brasileira há um crescente mal-estar com Chávez, já que este chamou o Congresso Nacional de 'lacaio' e 'papagaio'dos EUA. Em Assunção, diversos setores encaram Chávez como um 'ditador'.
RETRATO DA CÚPULA
O que será discutido :
1- Fracasso da Rodada Doha e negociações com a União Européia; 2- Fundos de ajuda para desenvolvimento do Uruguai e Paraguai; 3- Aumentos da TEC para calçados e têxteis, de forma a combater a 'invasão chinesa'; 4- Sistema de pagamento em moedas locais, para prescindir do dólar;
5- Subsídios existentes dentro do Mercosul; 6- Criação do Banco do Sul; 7- Reforma da Secretaria do Mercosul, de forma a ampliá-la
Brigas e tensões:
1- Brasil e Venezuela, por divergências sobre o 'novo' e 'velho' Mercosul; 2- Brasil e Bolívia, pelo gás; 3- Argentina e Uruguai, pela Guerra da Celulose; 4- Argentina e Chile, pela redução drástica das vendas de gás ao mercado chileno; 5- Uruguai e Paraguai contra Argentina e Brasil, por exigir menos assimetrias; 6- Banco do Sul, divergências sobre o formato definitivo dessa entidade financeira e desconfianças em vários países da região
Cachimbo da Paz:
1- Esta será a terceira cúpula do Mercosul sem os históricos ferozes conflitos comerciais Brasil-Argentina; 2- No Uruguai e Paraguai amainaram os fortes sentimentos anti-Mercosul de 2006 e ficaram em banho-maria os eventuais acordos desses países com os EUA; 3- Kirchner deixou de usar o Brasil e a Fiesp como bodes expiatórios dos problemas argentinos