Título: Renan é acusado de usar notas frias no Conselho de Ética
Autor: Oliveira, Clarissa e Costa, Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2007, Nacional, p. A4

Na véspera da sessão do Conselho de Ética que poderia resultar no arquivamento do processo que corre contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a defesa apresentada por ele para contestar a suposta quebra de decoro parlamentar foi posta mais uma vez em questão. Reportagem publicada ontem à noite pelo Jornal Nacional, da TV Globo, aponta que a lista de documentos entregues por Renan para comprovar a origem do dinheiro gasto para pagar a pensão de sua filha com a jornalista Mônica Veloso inclui recibos e notas atribuídos a empresas inativas, multadas por extravio de notas fiscais ou até mesmo que negam ter realizado qualquer transação com o senador.

A notícia pode interferir na reunião do conselho agendada para hoje, em que estava programada a votação do relatório apresentado pelo senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA). No texto, o relator recomenda o arquivamento, sob o argumento de que os documentos referentes ao caso são insuficientes para incriminar o colega. A reportagem do Jornal Nacional contesta a avaliação, com base em cópias de 70 recibos que teriam sido entregues em sigilo por Renan, para comprovar transações de venda do gado criado em suas fazendas no interior de Alagoas.

As atividades pecuárias seriam, segundo a defesa, a origem de recursos no valor total de R$ 1,9 milhão obtidos nos últimos quatro anos. Esse montante, em teoria, descartaria a tese de que despesas pessoais de Renan teriam sido pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, ligado à Construtora Mendes Júnior.

A primeira contradição apontada na reportagem do JN refere-se ao número de cabeças de gado que Renan teria nas três fazendas de sua propriedade e nas outras três arrendadas por ele no interior de Alagoas. A defesa do senador afirma que o número chega a 1.700 cabeças, mas o gerente das fazendas relatou à reportagem que seria de apenas 1.100.

Outro problema diz respeito à efetiva realização das transações de venda de gado. Uma consulta ao cadastro da Secretaria da Fazenda do Estado de Alagoas apontou que os donos de pelo menos duas das seis empresas citadas por Renan como compradoras foram multadas por extravio de notas fiscais.

CLIENTELA

Localizada em Rio Novo, bairro da periferia de Maceió, a Carnal Carnes de Alagoas Ltda. teria sido citada pela defesa de Renan como sendo a compradora de R$ 127 mil em cabeças de gado. A empresa, de acordo com a Secretaria da Fazenda alagoana, está inativa. O sócio-gerente da companhia, João Teixeira dos Santos, garantiu que nunca deu um cheque ao senador ou adquiriu seus animais. ¿Não, nunca comprei¿, disse o empresário ao JN, acrescentando que também não emitiu qualquer recibo para Renana.

Também situada em Rio Novo, a empresa GF da Silva Costa teria comprado R$ 164 mil em bois do senador. No endereço do dono da companhia, Genildo Ferreira, todos negam conhecê-lo. Já no endereço apontado como sede da GF, na cidade vizinha de Satuba, a reportagem encontrou correspondências acumuladas e uma moradora que diz viver no local há três anos e nega que uma empresa de carne tenha funcionado ali.

Ainda segundo o JN, o CPF de Genildo Ferreira aparece como suspenso na Receita Federal e na Secretaria de Fazenda a empresa consta como inativa, sendo que cinco recibos apresentados pelo senador seriam posteriores a seu fechamento. A empresa também recebeu uma multa de R$ 680.820 por extravio de notas fiscais. O contador Roberto Gomes de Souza, que cuidou das finanças da GF e da Carnal, disse não lembrar de negócios das duas empresas com o senador.

Outra empresa procurada foi a Stop Carnes, que teria comprado R$ 47 mil em gado, segundo os recibos de Renan. A reportagem verificou que se trata de um pequeno açougue que, apesar de estar em funcionamento, também consta como inativo no cadastro da Secretaria da Fazenda. O dono da empresa, Ozir Souza Silva, confirmou ao JN ter comprado gado de Renan, mas não soube dizer quanto. Ele explicou que lidou com intermediários e negou conhecer pessoalmente o senador.

O maior cliente de Renan, segundo a defesa apresentada ao Conselho de Ética, seria um açougue em Benedito Bentes, cujos recibos são atribuídos à microempresa MW Ricardo Rocha. Os recibos indicam que a companhia teria adquirido R$ 429 mil em gado. Mas a MW declarou faturamento de apenas R$ 23 mil no ano passado.

OUTRO LADO

Ontem à noite, após a veiculação da reportagem, Renan disse por meio de sua assessoria de imprensa que tem todas as provas, todos os documentos que comprovam as operações da venda de gado das suas fazendas. ¿Não há uma só cabeça sequer que tenha sido vendida sem que haja o recibo, o cheque ou depósito e as guias de transportes de cada operação¿, garantiu o presidente do Senado, segundo seu assessor.

Ele afirmou ainda que o rendimento de todas as transações constam de sua declaração do Imposto de Renda, conforme documentação que enviou à Corregedoria e ao Conselho de Ética do Senado. Sobre a afirmação do gerente das fazendas, Everaldo de Lima Silva, que disse haver menos cabeças de gado do que as declaradas por ele, o presidente do Senado disse não estar a par da real situação da propriedade. Alegou, ainda, que considerou ¿normal¿ o fato de eventuais compradores de gado não poderem identificá-lo, porque a venda teria sido feita pelo veterinário Gualter Peixoto.

À reportagem do JN, o presidente do Senado já havia afirmado, por telefone, que poderia comprovar as transações, por meio de notas fiscais, guias de transporte animal e cópias de cheques. Disse ainda que todo o dinheiro arrecadado com a venda foi depositado em sua conta pessoal. Renan teria dito ainda que não é problema dele se algum empresário enganou o Fisco. Sobre a declaração dada pelo gerente de suas fazendas, Renan teria respondido que o funcionário não tem noção do tamanho de seu rebanho.

PONTOS OBSCUROS

A esclarecer O presidente do Senado, Renan Calheiros, ainda precisa explicar questões envolvendo pagamentos que fez à jornalista Mônica Veloso

Antes de reconhecer a paternidade da filha que tem com Mônica, Renan pagava à jornalista em transferências bancárias ou em dinheiro vivo, como ela alega? Qual a origem do dinheiro: do senador ou do lobista Cláudio Gontijo?

Por que Renan, na defesa que fez no Congresso, só apresentou documentação que comprova os pagamentos de pensão feitos após o reconhecimento da paternidade da criança?

Por que o senador chegou a dizer que não tinha como comprovar pagamentos feitos antes de reconhecer a paternidade, se no dia seguinte essas provas apareceram nas mãos de seu advogado?Por que os extratos que confirmariam que o pagamento era feito pelo senador, não pelo lobista da Mendes Júnior, não foram tornados públicos como os outros, mas entregues em sigilo ao corregedor do Senado?

Se o presidente do Senado alega ter recursos provenientes da agropecuária que dariam conta dos pagamentos de pensão e aluguel à Mônica, por que o cuidado em não os tornar públicos?

Por que Epitácio Cafeteira, relator da ação contra Renan por quebra de decoro no Conselho de Ética, quer engavetar a ação sem abrir investigação e sem ouvir Mônica, autora da denúncia?

Problemas à vista

Reportagem do Jornal Nacional de ontem apontou problemas na documentação que Renan apresentou ao Senado. As vendas de gado que o senador alega ter feito, e que teriam lhe rendido dinheiro para pagar a pensão e o aluguel à Mônica, têm uma série de irregularidades: empresas que teriam comprado de Renan foram multadas por extravio de notas fiscais; supostos compradores do gado negam ter feito negócio com o senador; há notas com datas posteriores ao fechamento de uma das empresas, entre outros. Há ainda um funcionário das fazendas de Renan que o desmente, dizendo que o tamanho de seu rebanho é menor do que o informado.