Título: Crescimento torto
Autor: Werneck, Rogério L. Furquim
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2007, Economia, p. B2

Nos últimos meses o IBGE tem sido fonte de boas notícias sobre a expansão da economia brasileira. Novas séries de contas nacionais, divulgadas em fevereiro e março, mostraram que a economia cresceu de fato 3,7% em 2006 e o crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) no triênio 2004-2006 atingiu 4,1% ao ano, uma taxa bem mais alta do que antes se estimava. Já nesta semana foi anunciado que o crescimento do PIB no primeiro trimestre, em relação ao mesmo período de 2006, foi de 4,3%. A constatação de que a economia vem crescendo já há mais de três anos a cerca de 4% ao ano, e que isso parece sustentável, tem tido desdobramentos importantes no debate econômico do País. Vai ficando para trás a idéia de que a insistência na política macroeconômica adotada no segundo mandato de FHC, e mantida pelo presidente Lula, estaria condenando o País à estagnação. Por estapafúrdia que fosse, tal idéia já teve uma legião de adeptos no País, tanto na oposição como no governo. Mas a verdade é que vem sendo rapidamente abandonada nos últimos meses. A melhor prova disso é que estão desaparecendo de cena as recorrentes tentativas de demonização do Banco Central que, ainda no final do ano passado, dominavam boa parte do debate econômico, dentro e fora do governo. Crescer a 4% pode até parecer um grande feito quando se tem em conta a medíocre expansão da economia brasileira nas últimas décadas. Mas, tendo em vista as condições extremamente favoráveis que a economia mundial vem propiciando, é mais do que razoável o País ambicionar crescimento ainda mais rápido. A grande questão é em que medida a sociedade brasileira saberá viabilizar nos próximos anos as ações coletivas necessárias para assegurar a ampliação das possibilidades de crescimento da economia. Vistos desta perspectiva, os dados que acabam de ser divulgados pelo IBGE trazem também notícias pouco alvissareiras. A decomposição do crescimento do primeiro trimestre mostra que a variação de 4,3% do PIB resultou da combinação de uma expansão real de 3,9% do valor adicionado, calculado a preços básicos (sem tributos), com um aumento de 6,9% da receita real proveniente dos tributos sobre bens e serviços. Isto significa que a carga de impostos indiretos continua crescendo muito mais rápido que a produção. O quadro torna-se ainda mais preocupante quando se observa o que vem ocorrendo com os tributos federais, que incluem boa parte da receita proveniente da taxação direta no País. No primeiro trimestre, a receita administrada pela Secretaria da Receita Federal mostrou crescimento real, em relação ao mesmo período do ano passado, superior a 11%. Uma taxa duas vezes e meia maior que a do crescimento do PIB! O que causa especial preocupação é que não há qualquer evidência de que isso esteja sendo visto como um problema, seja em Brasília, seja nas capitais dos Estados. Muito pelo contrário. Os três níveis de governo parecem estar vivendo um clima de euforia com o aumento vertiginoso de arrecadação, que vem sendo propiciado pela conjugação da recuperação do nível de atividade com a modernização das máquinas arrecadadoras da União, dos Estados e dos municípios. Já não se vê menção à idéia de um ajuste fiscal de longo prazo que possa conter o processo de expansão explosiva de gastos primários que vem sendo observado há 15 anos nos três níveis de governo. Com a complacência das autoridades fazendárias federais, os governadores estão conseguindo alavancar ainda mais sua capacidade de dispêndio e de concessão de crédito, lançando mão do aumento de arrecadação para conseguir ampliar os limites de endividamento dos Estados. Já em Brasília, propostas de corte horizontal de alíquotas de impostos são tomadas como piadas de mau gosto. O governo parece ter outras prioridades. Anunciou que vai reabrir uma bateria de guichês de facilidades para compensar 'setores penalizados pelo câmbio'. Depois da escolha de vencedores, vem aí a de perdedores. Mas a escolha de vencedores não será abandonada. Alarmado com a evolução da utilização de capacidade, o governo anunciou que está finalizando às pressas um programa de facilitação de investimento. Em que áreas? No setor elétrico? Nos portos e aeroportos? Ou, quem sabe, na malha rodoviária? Nada disso. Parece incrível, mas a preocupação é com a capacidade da indústria automobilística.