Título: Lula endurece com os grevistas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2007, Notas & Informações, p. A3

O presidente Lula mandou cortar o ponto dos funcionários públicos que estão em greve. Já era tempo! Estão de braços cruzados os servidores do Ibama, do Incra, do Ministério da Cultura, da Comissão Nacional de Energia Nuclear, da Datasus e do setor administrativo das universidades federais. Até a semana passada, eram 100 mil servidores parados. Como os técnicos do Banco Central voltaram a trabalhar na sexta-feira, após uma greve de 43 dias, agora são ¿apenas¿ 95 mil os servidores parados.

A promessa de ¿endurecer com os grevistas¿ foi feita em maio, quando Lula afirmou que greve sem desconto dos dias não trabalhados é férias. Mas só agora, passado mais de um mês, ele passou do discurso à ação. É verdade que o corte do ponto nem sempre é medida eficaz contra as greves, uma vez que ela pode ser suspensa judicialmente. Durante a greve de fiscais da Receita Federal na Zona Franca de Manaus, o governo mandou cortar o ponto, mas uma juíza federal de Porto Alegre concedeu liminar aos grevistas, garantindo-lhes o recebimento dos dias parados. Mesmo assim, é obrigação da autoridade determinar o não-pagamento dos dias parados.

Ao justificar a ordem para o corte do ponto dos grevistas, Lula alegou que vários setores do funcionalismo estariam ¿passando dos limites¿. Em alguns casos, endossa o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a irresponsabilidade é tanta que os grevistas não conseguem explicitar o que pleiteiam. É o caso da greve do Incra, deflagrada há três semanas sem que os servidores encaminhassem uma pauta de reivindicações para o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Cobrados por seus superiores hierárquicos, eles enviaram a pauta da greve de 2004.

Como era esperado, as categorias em greve protestaram contra o corte de ponto, acusando o presidente de ter fechado a porta para negociações e abandonado suas raízes sindicais. Os servidores e seus líderes sindicais estavam acostumados a um tratamento excessivamente leniente desde a ascensão de Lula ao poder. Nos quatro anos de seu primeiro mandato, ocorreram mais de 500 greves no setor público, a maioria afetando serviços essenciais e pondo em risco a saúde e a segurança das pessoas, além de causar vultosos prejuízos econômicos.

Na iniciativa privada, a greve é disciplinada pela Lei 7.783/89, que estabelece uma relação de serviços essenciais, nos quais a paralisação é limitada, garantindo a prestação mínima do serviço. Ela também exige que os trabalhadores enviem aviso prévio, de 48 horas, aos empregadores.

No setor público, o que se tem é uma situação de vácuo jurídico. A greve do funcionalismo é garantida pelo artigo 37 da Constituição, mas depende de regulamentação por lei específica. O único governo que tentou cumprir esse preceito foi o do presidente Fernando Henrique. Em 2001, após uma longa paralisação dos servidores do INSS e dos funcionários e professores das universidades federais, ele enviou ao Congresso um projeto de lei que, entre outras medidas, proibia o pagamento dos dias não trabalhados. O projeto não andou porque a oposição, comandada pelo PT, se mobilizou contra ele.

Lula prometeu regulamentar a greve no setor público em seu primeiro mandato. Mas a promessa não foi cumprida. Somente após a crise gerada pelo motim dos controladores do tráfego aéreo o governo anunciou um anteprojeto de lei complementar para disciplinar greves de servidores. A minuta que foi divulgada contém medidas sensatas e oportunas. Ela impõe a manutenção dos serviços essenciais, exige a obrigatoriedade de comunicação prévia da paralisia, fixa quórum mínimo para as assembléias e prevê a contratação temporária de funcionários para substituir os grevistas.

Apesar de dispor de ampla base de sustentação no Congresso para aprovar o projeto, Lula cedeu às pressões do funcionalismo e prometeu ¿discutir¿ a minuta com as centrais sindicais. Dessa discussão não poderá sair nenhum acordo, pois as centrais não admitem qualquer limitação ao direito de greve. Enquanto isso, o governo continua sem instrumentos legais para deter o grevismo desenfreado.