Título: 'A Polícia Federal não está isenta de ter cometido erros'
Autor: Rosa, Vera
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2007, Nacional, p. A12
Ele prega mudanças para reduzir falhas ¿a margem próxima de zero¿, mas diz que ¿dezenas de pessoas¿ têm acesso a gravações
Ele não entende de lambari nem de cardume de pintados, mas já aprendeu a conviver com as metáforas usadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e está acostumado ao fogo amigo desde que presidiu o PT, em 2005. Com essas credenciais e há apenas três meses no cargo, o ministro da Justiça, Tarso Genro, afirma que a Polícia Federal não é infalível e enfrenta disputa de concepções. ¿A PF não está isenta de ter cometido erros¿, diz ele sobre as operações de combate ao crime.
Dias depois de Lula condenar ¿abusos¿ nas investigações que chegaram a seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, o ministro prega mudanças no sistema de grampos, alegando que é preciso conciliar tecnologia e preservação de direitos. Para ele, a duração das escutas telefônicas - atualmente fixada em 15 dias, prorrogáveis por mais 15 - tem sido interpretada pelo Judiciário ¿de forma extensiva¿, com a prorrogação por tempo indefinido.
Tarso diz não ver necessidade de autorização do Ministério Público para as escutas. Na tentativa de controlar os vazamentos, há uma nova proposta para identificar CDs e disquetes. ¿A Procuradoria-Geral da República, o Ministério da Justiça e a PF vão verificar o que precisa ser adicionado no sistema legal, administrativo e técnico para que se reduzam os erros e ilegalidades a margem próxima de zero¿, garante.
Para ele, Vavá não é lobista. ¿Mas evidentemente provocou dano político ao presidente¿, admite. O ministro é contra a autonomia financeira da PF, idéia que ganhou apoio da corporação. ¿É absolutamente inaceitável. Seria o primeiro degrau para um Estado não de Direito, mas de Polícia.¿
Nos últimos dias, Tarso viu generais atacando a decisão da Comissão de Anistia de promover o guerrilheiro Carlos Lamarca - morto pela ditadura em 1971 - a coronel. Mas encerrou a semana jogando água na fogueira: ¿Lamarca não era unanimidade nem na esquerda que lutou contra a ditadura.¿
A oposição quer convocá-lo a dar explicações no Congresso sobre vazamentos na Operação Xeque-Mate. O sr. está disposto a dá-las?
Não é necessária a convocação. Basta me telefonar que dou explicações, mas temo que na questão do vazamento eu não possa contribuir com o Congresso. Essa questão é controlada diretamente pela PF e o controlador é o diretor da PF, e não o ministro da Justiça.
Mas a que o sr. atribui esse vazamento de investigações da PF que correm em segredo de Justiça?
Acho que se criou um mito em torno de vazamentos por parte da PF. Gravações foram feitas pela PF, mas já estão nos disquetes e CDs dados por advogados, depositados no Judiciário e, portanto, dezenas de pessoas tiveram acesso a eles.
O fogo amigo e a disputa interna na PF não atrapalham as investigações? O próprio presidente Lula se referiu a essas disputas...
Na PF, como em todas as corporações com direito a sindicalização, há disputas de concepções, visões de futuro, questões salariais, código de carreira... A preocupação que o presidente Lula manifestou foi no sentido de que as disputas não afetem o bom prestígio que a PF adquiriu em função da forma isenta com que tem feito investigações, sem seletividade de natureza política e ideológica.
Lula disse que seu irmão é ingênuo e o comparou a um lambari no meio de um cardume de pintados. Afinal, Vavá é lobista ou inocente?
Eu acho que o Vavá não é lobista. Deve se verificar se é inocente ou não em relação àquilo que está sendo imputado a ele, questões não relacionadas com esse processo dos caça-níqueis e dos bingos. Vavá é uma pessoa ingênua, pobre, que não tem formação cultural elevada e pode ter aproveitado a sua condição de irmão para tentar exercer alguma influência, mas não conseguiu. Ele provocou, evidentemente, um dano político ao presidente.
O sr. conhece Vavá e Frei Chico, outro irmão do presidente?
Não me recordo de ter dado mais do que um cumprimento. Nunca tive interlocução com eles. Portanto, não posso fazer juízo sequer sobre a personalidade e a formação de cada um.
E como o sr. está dizendo que Vavá é uma pessoa ingênua?
Estou reiterando aquilo que o presidente Lula colocou para nós e em público.
Lula chegou a reclamar da ação da PF, dizendo que pode haver abusos, com investigados expostos de forma irreparável antes do julgamento. As medidas em estudo pelo governo vão corrigir excessos?
A PF não está isenta de ter cometido erros. Mas eventuais erros que a PF possa ter cometido nesses processos não invalidam os inquéritos nem tiram a grande função que a corporação cumpre hoje, que é a de combate à corrupção.
Indiciar Vavá foi um erro?
Essa avaliação eu não posso fazer nem o presidente faz. O presidente aposta na inocência do seu irmão porque o conhece e confia nele. Esse é um juízo subjetivo de um irmão. Mas, quando diz isso, o presidente não está interferindo nem no poder de polícia nem na definição do Judiciário.
Que medidas serão tomadas para restringir grampos e sua duração?
Essa restrição existe, mas está sendo interpretada pelo Judiciário de forma extensiva e os juízes têm dado direito de escuta à polícia por tempo indeterminado, supondo que a prorrogação pode ser feita de maneira indefinida. Só teremos solução quando tivermos decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), dizendo se é legal esse procedimento que permite a escuta permanente, ou quando houver modificação legal.
A proposta agora é que a autorização para concessão de grampos seja feita pelo Ministério Público?
Antes de tomar atitude como essa temos de saber a posição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo. A Procuradoria-Geral da República, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal vão analisar os acontecimentos e verificar o que precisa ser adicionado no sistema legal, administrativo e técnico para que se reduzam os erros e ilegalidades a margem próxima de zero.
E o sr. defende o quê?
Eu acho que autorização judicial basta, desde que seja bem controlada pelo juiz. Trata-se de preservar direitos de um lado e garantir a eficácia das investigações de outro. Estamos estudando como montar uma estrutura de controle para proteger pessoas que nada têm a ver com os fatos investigados. Quem grava fica registrado e quem recebe também. Se você encontrar um meio tecnológico para identificar o CD dado para alguém, essa responsabilidade ficará muito mais clara.
Haverá auditoria no Guardião, o programa de escutas da PF?
O Guardião tem grande vantagem, mas traz problemas novos. Faz 400 escutas ao mesmo tempo de pessoas que recebem tanto telefonemas familiares como criminosos. O Guardião não separa isso. Caem na rede telefonemas pessoais. A gravação de quem nada tem a ver com os fatos investigados permanece e isso se presta depois a interpretações. São questões como essas que precisam ter suas normas reorganizadas.
O objetivo oficial é evitar abusos nas escutas, mas o governo não corre o risco de ficar refém de pressões, tolhendo o trabalho da PF?
É uma visão equivocada dizer que o Ministério da Justiça vai processar alguma proposta para reduzir o direito de coleta de prova. Em absoluto! Não podemos conceber o avanço da tecnologia como um problema.
Há um projeto em estudo para conceder autonomia financeira à Polícia Federal, nos moldes do FBI?
De parte do governo, não. Essa presumida autonomia financeira significaria retirar a PF do controle dos órgãos financeiros do Estado e isso é absolutamente inaceitável porque determinaria a formação de um Estado dentro do Estado. Aí, sim, seria o primeiro degrau para um Estado não de Direito, mas de Polícia. Quanto à autonomia operacional, a PF já tem. O Ministério da Justiça não tem interferência nas investigações.
Mas mesmo assim o sr. avisou o presidente sobre as investigações envolvendo Vavá e o compadre dele, Dario Morelli Filho...
Avisei o presidente, cumprindo as minhas funções, e avisaria novamente. Eu seria um ministro irresponsável se não avisasse. E mais do que isso: avisei absolutamente consciente de que o presidente não faria qualquer tipo de intervenção.
Não é contraditório o governo dizer que apóia as investigações da PF e tentar barrar a CPI da Navalha? Ou o governo acha que o Congresso não tem condições éticas para investigar nada?
O Congresso tem condições éticas, sim. Mas se trata de fazer um trabalho desnecessário.
Por que desnecessário?
Porque esses fatos examinados exaustivamente na Operação Navalha serão aprofundados pela própria PF, se necessário. O Congresso pode fazer a CPI e o governo tem direito de ser contra. Agora, isso não supõe travamento a qualquer investigação. Todo mundo sabe que a CPI é apenas um gesto político.
A primeira tentativa de votar a reforma política foi derrotada e a alternativa para salvá-la é um modelo de lista flexível. Por que a reforma, anunciada como prioridade do segundo governo Lula, empacou?
Veremos até que ponto empacou nesta semana. Mudanças no sistema político não acontecem facilmente, pois a tendência é cada grupo partidário ou parlamentares individualmente trabalharem com o cálculo político imediato da próxima eleição. Devemos manter a pauta de reforma, via Congresso, mesmo que ela demore.
O Exército protestou contra a decisão da Comissão de Anistia de dar patente de coronel ao guerrilheiro Carlos Lamarca e pensão para sua viúva. Essa queixa é justa?
Alguns militares manifestaram sua opinião. Lamarca não era unanimidade nem na esquerda que lutou contra a ditadura. Ele tem direito, porém, à anistia, pois é isso que determina o Estado de Direito. O Estado reconhece que Lamarca lutou por fins que julgava moral e politicamente legítimos, mas não consagra as suas posições políticas e ideológicas. Nem de Lamarca nem de qualquer outro anistiado. A Comissão de Anistia pautou sua posição a partir de uma decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça. As críticas que são feitas, portanto, atingem decisão judicial transitada em julgado.
O sr. é considerado o maior adversário do ex-ministro José Dirceu no PT. Ao defender a refundação do partido - termo substituído por reconstrução -, seu grupo disputará com o de Dirceu o comando no congresso do PT, em agosto?
Eu não sou inimigo de José Dirceu. Mas temos divergências políticas de fundo sobre concepção de partido, de País, de gestão pública. Isso não quer dizer que eu seja melhor do que ele. São diferentes as posições. Da nossa parte, queremos aprovar posições políticas e não atacar indivíduos.
Servidores gritaram ¿fora, PT¿ na votação da medida provisória que dividiu o Ibama. É um reflexo da crise no PT, já que a maioria dos servidores sempre foi de sua base?
Ouvi esse grito pela primeira vez quando era vice de Olívio Dutra (1988), em Porto Alegre, e depois como prefeito também. Quando a gente chega ao governo, não responde mais às corporações, e sim à totalidade da sociedade. É um aprendizado inestimável. Provavelmente, quando o PT voltar a ser oposição, não vai assinar qualquer CPI: pensará melhor, até porque sabe que isso muitas vezes atrapalha o País.