Título: País prepara salto de eficiência na produção de urânio enriquecido
Autor: Godoy, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2007, Nacional, p. A14
Nova e poderosa geração de ultracentrífugas, que entrará em operação em 2008, trará ganho de 40%
O programa nuclear brasileiro vai utilizar a partir de maio de 2008 uma nova e poderosa geração de ultracentrífugas - máquinas de alta tecnologia destinadas a enriquecer urânio - ao menos 40% mais eficientes que as atualmente em uso pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
Não é só. Uma terceira série, ainda em testes de validação, deve estar disponível em 2011 - e, de novo, será 40% mais eficaz que a versão prevista para o próximo ano. Projeto e construção são nacionais. O urânio enriquecido a 4%, nível adotado pelo País, é o combustível dos reatores de energia. As armas atômicas exigem graus superiores a 90%.
¿Isso representa um salto de qualidade e produtividade no sistema¿, garante o almirante Carlos Bezerril, diretor do Centro Tecnológico da Marinha (CTMSP), agência de pesquisa com sede no campus da USP, responsável pelo desenvolvimento dos equipamentos.
O centro cuida também dos planos de criação dos sistemas compactos de propulsão nuclear para um submarino de ataque. Embora tenha sido descartado como prioridade da Marinha em fevereiro de 2006, acabou sendo resgatado na redefinição do plano de reaparelhamento. É um objetivo de longo prazo. O tempo previsto para que os técnicos da força naval projetem e construam uma unidade de 6 mil a 9 mil toneladas de deslocamento, com 96 metros de comprimento e 100 tripulantes, é de 11 anos. Antes disso, porém, será necessário testar e completar um reator PWR (de água pressurizada) de 48 MW.
A rigor, o equipamento está pronto. No Centro Experimental de Aramar, a 130 quilômetros de São Paulo, as grandes peças de precisão que compõem o conjunto estão armazenadas em ambiente de gás liquefeito para impedir a deterioração.
Aguardam a conclusão das obras do Laboratório de Geração Nucleoelétrica, o LabGene. Os prédios estão limitados às fundações. A retomada ainda este ano permitiria a entrada em operação entre 2010 e 2011.
O reator que permanece desmontado vale US$ 130 milhões. Expandido, ele servirá à produção de eletricidade a partir de usinas regionais. O governo pretende construir oito centrais - duas delas no Sudeste do País.
O Centro Tecnológico da Marinha precisa de R$ 1,040 bilhão para completar as etapas estratégicas do empreendimento: ciclo do combustível, geração de energia, propulsão e infra-estrutura. O almirante Bezerril estima que o processo exigiria sete anos. Quase todo o investimento no programa nuclear tem sido feito pelo Comando da Marinha, com recursos próprios. As aplicações, desde 1979, somam US$ 1,117 bilhão e desse total só US$ 216 milhões chegaram de outras fontes governamentais. O Comando da Marinha tem receita própria, os royalties referentes à extração de petróleo na plataforma oceânica, pagos pela Petrobrás. O dinheiro da Força, entretanto, é contingenciado pela Presidência da República há 10 anos em benefício do superávit primário nas contas públicas. Em dezembro de 2006 o saldo acumulado e não repassado chegava a R$ 2,69 bilhões. Para este ano a arrecadação em direitos será de R$ 1,4 bilhão. Serão liberados R$ 551,8 milhões, permanecendo retidos R$ 861,9 milhões
O assunto delicado, todavia, é a produção de ultracentrífugas. Segundo Tony Harrington, um ex-consultor da ONU para o desarmamento, ¿o foco da preocupação mudou - o que interessa agora não é prevenir só a capacidade de construção de uma bomba atômica, mas também o domínio dos métodos para enriquecimento isotópico do urânio natural¿. Harrington, analista de segurança, esteve no Brasil e na Argentina em três visitas técnicas a partir de 1998. Ele considera ¿tranqüilizador¿ o padrão de controle do CTMSP e da INB.
Os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) não terão acesso às ultracentrífugas mais recentes da mesma forma como não podem verificar o funcionamento das unidades originais - hoje 50 vezes mais eficazes do que nas configurações iniciais, vistas pela primeira vez há 17 anos.
EQUAÇÃO
As verificações previstas no acordo de salvaguardadas, firmado pelo governo brasileiro e renovado há pouco mais de dois anos, abrangem uma complexa contabilidade. ¿O que interessa à AIEA é saber o quanto de gás de urânio entrou no sistema, o quanto saiu de urânio enriquecido, o U235, e também de urânio empobrecido, o U238 - é uma equação que tem de fechar sem erro¿, explica o almirante Bezerril. A regra de preservação do conhecimento sensível vale desde 2003, quando a Marinha e a INB passaram a cobrir com painéis todas as ultracentrífugas, permitindo aos peritos internacionais a observação apenas do circuito de entrada e saída. No CEA, a cascata de beneficiamento (veja o gráfico) é monitorada ininterruptamente por câmeras blindadas guardadas em caixas lacradas pela AIEA. Há inspeções periódicas. Freqüentemente o aviso chega em cima da hora. As ultracentrífugas do Brasil utilizam a repulsão magnética para evitar o atrito entre partes móveis. Assim, duram mais e tem maior capacidade.