Título: Superando a reação antidemocrática
Autor: Gershman*, Carl
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2007, Internacional, p. A22

O dia 8 marcou o 25º aniversário do 'discurso de Westminster' do então presidente americano Ronald Reagan, no qual ele conclamou as democracias do mundo a lançar 'uma campanha global pela liberdade' que iria 'enterrar o marxismo-leninismo no monte de cinzas da História'.

Para um discurso presidencial, seu poder de permanência tem sido extraordinariamente longo, e não só por ter previsto o colapso do comunismo. Ele capturou um momento de otimismo democrático renovado depois do desastre do Vietnã e impulsionou a institucionalização da promoção da democracia como um elemento central da política externa americana.

A promoção da democracia continua sendo uma prioridade dos Estados Unidos. A frase de abertura da Estratégia de Segurança Nacional adotada em 2006 declara que a política americana é 'buscar e apoiar movimentos e instituições democráticos em cada nação e cultura, com o objetivo último de pôr fim à tirania em nosso mundo'. Mas o governo do presidente George W. Bush tem encontrado enorme resistência nessa tarefa.

O primeiro obstáculo é a situação no Oriente Médio, o foco geográfico da agenda democrática de Washington. Este foco é compreensível no rastro do 11 de Setembro. Além disso, o presidente Bush estava certo em seu discurso à Fundação Nacional pela Democracia, em 2003, ao repudiar oficialmente a doutrina do 'exclusivismo árabe', segundo a qual a democracia pode progredir em toda parte, exceto no mundo árabe. De fato, seu corajoso pronunciamento motivou agitação na única grande região não afetada pela terceira onda de democratização, nos anos 80 e 90.

ONDA REVERSA

Mas as condições para o avanço da democracia no Oriente Médio estão longe de ser promissoras. Os reformistas liberais ocupam um exíguo espaço político entre regimes autoritários e movimentos de oposição islâmicos - ambos favorecidos por seu antagonismo mútuo, à custa do pequeno centro democrático. E o pedido do presidente Bush de uma 'estratégia ousada de promoção da liberdade no Oriente Médio' tem sido ofuscado pela violência no Iraque e a crise com o Irã. Não se pode esperar avanço democrático nessa região problemática no curto prazo.

O segundo obstáculo é que as condições para o progresso democrático global são mais desafiadoras hoje do que em qualquer momento da geração passada. Se Reagan falou quando a terceira onda ganhava impulso, Bush lançou sua campanha pró-democracia no limiar da 'onda reversa', a esperada reação contra o período de rápida expansão democrática.

Vemos esse movimento em muitas frentes - a reação contra organizações não-governamentais e contra a assistência democrática por parte de governos preocupados em prevenir levantes similares à Revolução Laranja na Ucrânia; um novo populismo que se alimenta da decepção generalizada com o desempenho de várias democracias novas; a beligerância de autocratas na Rússia, Venezuela e Irã cuja influência é fortalecida pelos altos preços do petróleo; e a ascensão da China como uma potência global que apóia vários regimes renegados e ditatoriais e oferece um modelo autoritário de desenvolvimento econômico.

Não devemos nos desesperar quanto às perspectivas da democracia, mas precisamos adotar uma visão de longo prazo e realista. A terceira onda criou esperanças, mas também alimentou ilusões sobre como a democracia surge e pode ser adequadamente apoiada. Ela encorajou a opinião de que a democracia estável pode se estabelecer rapidamente mesmo em países sem experiência democrática significativa e de que nosso desejo e nossos recursos podem ser o fator decisivo nesse processo.

Além disso, com o colapso do comunismo, a democracia passou a ser vista como uma norma incontestável da nova ordem internacional. Sem o elemento de contestação, a democratização tornou-se um aspecto das políticas de desenvolvimento, dissociado do processo político e dominado principalmente por burocracias profissionalizadas, muitas vezes ligadas a governos e agências multilaterais.

À medida que o campo da promoção da democracia se expandiu nesses moldes, os programas e estratégias passaram a ser movidos mais por doadores que por forças democráticas nativas. E, à medida que a resistência à democracia aumentou, essa abordagem também se tornou cada vez mais irrelevante.

VERDADES SIMPLES

É hora de retomarmos algumas verdades simples. A primeira é que a ajuda à democracia é uma empreitada inerentemente política e, ainda por cima, profundamente contestada. Uma abordagem bem-sucedida será multifacetada, mas terá três características fundamentais:

1) Organizações de ajuda que possam adaptar-se flexivelmente às condições locais e fazer contato de modo discreto, mas transparente com as forças democráticas nativas.

2) Solidariedade política e diplomática com as pessoas na linha de frente da luta.

3) Paciência para perseverar no longo prazo.

Oportunidades de avanço democrático vão se apresentar no futuro - e nós precisaremos estar prontos para aproveitá-las. Como Ronald Reagan afirmou há 25 anos em Westminster, 'a democracia não é uma flor delicada', mas 'precisa ser cultivada'.

Mesmo diante dos atuais desafios, nós deveríamos estar prontos para oferecer ajuda efetiva àqueles que lutam pela democracia em muitas frentes.