Título: Pela primeira vez desde 2000, calote cai no início do ano
Autor: Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2007, Economia, p. B9
Inadimplência recuou 1,6% entre janeiro e maio; renda maior está entre os fatores que explicam a mudança
Pela primeira vez desde o ano 2000, a inadimplência do consumidor com o sistema financeiro, acumulada entre janeiro e maio, caiu em relação aos mesmos meses do ano anterior. Esse recuo contraria o comportamento normal para esse período, que é de alta do calote.
Até o mês passado, o volume de cheques sem fundos, títulos protestados, dívidas vencidas com bancos, cartões de crédito e financeiras em todo o País estava 1,4% menor que em 2006, segundo o Indicador Serasa de Inadimplência. Em 2005 e 2006, as altas acumuladas nesse período em relação ao ano anterior tinham sido de 12,6% e de 16,7%, respectivamente.
A recuperação da renda, do emprego formal, a ampliação dos prazos de financiamento e a queda dos juros, ainda que em ritmo lento, reduziram o pessimismo que predominava no mercado financeiro, alimentado pela possibilidade de que a inadimplência poderia explodir. Hoje, ocorre exatamente o contrário.
No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,3% ante o mesmo período do ano anterior, puxado especialmente pelo consumo das famílias, que aumentou 6%, a maior variação desde o primeiro trimestre de 2001. Um dos fatores responsáveis por esse desempenho foi o crédito farto. Estatísticas mais recentes do Banco Central (BC) indicam que a oferta de crédito para o consumidor em 12 meses cresceu 24% este ano.
¿É uma situação totalmente nova¿, afirma o assessor econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida. Normalmente, diz ele, a inadimplência no primeiro semestre aumenta, em razão das dívidas assumidas no fim de ano, e caem no segundo semestre. Neste ano, no entanto, poderá ser diferente, com o recuo da inadimplência no primeiro semestre, como os números mostram até agora.
De toda forma, ele ressalta que o calote continua elevado, o que exige cautela. ¿Apesar do recuo, não dá para relaxar¿, alerta o economista.
VAREJO
Dados de cheques sem fundos do BC, compilados pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), confirmam o recuo da inadimplência no primeiro semestre. Entre janeiro e abril, de cada mil cheques compensados, 21 não tinham fundo. Em igual período de 2006, 22 cheques estavam descobertos na mesma base de comparação. Em números exatos, o recuo na emissão de cheques sem fundos foi de 3,6% no período.
Enquanto a inadimplência do consumidor com o sistema financeiro dá sinais de recuo, no varejo está praticamente estabilizada, mas num nível elevado. ¿Existe uma certa resistência na inadimplência em alguns setores¿, observa Celso Amâncio, diretor do Senarc, consultoria de crédito e cobrança.
Ele cita, como exemplo, o comércio varejista, onde a disputa pelo mesmo cliente está acirrada. Essa grande oferta de venda a prazo acaba fazendo com que o consumidor assuma um volume maior de financiamentos do que a sua renda pode suportar, explica o consultor.
De janeiro a maio, a inadimplência líquida do crediário de lojas na cidade de São Paulo ficou em 7%, ante 6,7% em igual período de 2006, segundo a ACSP. A inadimplência líquida é calculada com base no saldo entre o número de carnês atrasados acima de 30 dias da data de pagamento e os recuperados no mesmo mês, em relação ao total de vendas a prazo dos três meses anteriores.
Duas importantes redes varejistas, que têm mais da metade das vendas apoiadas no crediário, as Casas Bahia e as Lojas Cem, informam que a inadimplência está estabilizada neste semestre, porém num nível elevado. Nas Casas Bahia, a perda é de 8% dos créditos a receber. Nas Lojas Cem, esse índice está parado em 6% há seis meses.
¿A inadimplência, hoje, no varejo, está num nível que, se não for dado remédio, aumenta. Também combatendo sempre, ela não se reduz¿, afirma o supervisor geral das Lojas Cem, Valdemir Colleone.
Segundo o executivo, há diferenças entre o comportamento da inadimplência no sistema financeiro e no comércio. Ele argumenta que a pressão por cobrança de dívidas no sistema financeiro é mais intensa e os valores envolvidos são maiores. ¿O varejo é um capítulo à parte¿, diz ele, acrescentando que os juros são menores e o crédito é mais fácil.
Para Colleone, a tendência da inadimplência no comércio varejista não é de queda no curto prazo. ¿Quando as pessoas estão muito endividadas, quitam primeiro as dívidas mais problemáticas e deixam o varejo para segundo plano.¿
Na opinião do economista da ACSP, Emílio Alfieri, é possível que haja uma convergência entre os indicadores de inadimplência do sistema financeiro e do varejo nos próximos meses. Ele pondera que o índice de inadimplência do crediário, que fechou o mês passado em 8%, está muito longe do pico atingido em abril de 1998 e 1999, de 16,2% e 20,2%, respectivamente.
¿Estamos otimistas, porém cautelosos¿, afirma o economista da ACSP. Ele fundamenta essa opinião no fato de o volume de crédito ter crescido nos últimos 12 meses num ritmo (24%) muito superior à ampliação da massa de salários (7%). Esse descompasso, segundo ele, é um fator de risco que mantém a inadimplência em níveis elevados.
Uma pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade mostrou que os juros cobrados do consumidor em maio caíram em todas as linhas de crédito ante abril. Mesmo em nível elevado, juro mais baixo facilita a quitação de dívida pendente.