Título: O caso do senador Roriz
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2007, Notas & Informações, p. A3

No cenário político brasileiro tantos têm sido os casos de carreiras que se iniciaram em situação econômica bem modesta e ao cabo de alguns anos transformaram em milionários políticos que têm se servido da função pública como meio de vida, que pode até parecer a coisa mais natural do mundo a grande fortuna acumulada por quem foi vereador, deputado, prefeito, ministro, governador do Distrito Federal (DF) por quatro vezes e senador da República, especialmente se dedicado, paralelamente, a um dos negócios que nas mãos de políticos se têm tornado de uma rentabilidade mágica, acima de quaisquer valores de mercado, a saber, os negócios com gado. No entanto, graças à escuta telefônica - já que os políticos caboclos ainda não descobriram que hoje a forma de contato mais segura para suas transações ¿pouco transparentes¿ talvez seja a utilização do Correio -, às vezes vêm à tona rastros de exuberantes operações com dinheiro suspeitíssimo, que exibem, de forma acachapante, o grau da gangrena moral que atinge a vida pública neste país.

O senador Joaquim Roriz (PMDB-DF) foi flagrado, no curso de uma operação da Polícia Civil do DF que investigava desvios de recursos públicos no Banco Regional de Brasília (BRB, instituição financeira estatal do DF), em diálogos com um dos presos na operação, o ex-presidente do banco Tarcísio Franklin de Moura, que com Roriz combinava a entrega de R$ 2,2 milhões em moeda sonante. Os diálogos indicavam que o dinheiro, supostamente sacado da conta do empresário Nenê Constantino de Oliveira (principal empresário de transportes do Distrito Federal, que teve Roriz por governador quatro vezes), de início seria entregue na casa do senador, em carro forte. Mas, como o senador não achara conveniente receber tamanha dinheirama em sua casa, resolveram que a entrega seria feita no escritório do empresário Constantino. Havia também referência ao fato de outras pessoas deverem ficar com parte do dinheiro.

Então veio a explicação do senador: tratava-se de um cheque recebido por Roriz, de Constantino, relativo a um empréstimo para pagamento de R$ 271,3 mil, pela aquisição de um embrião de gado nelore; mais R$ 28,6 mil deveriam ser repassados a Benjamim Roriz, primo do senador; e o restante - ou seja, a importância de R$ 1,9 milhão - seria ¿devolvido¿ ao empresário Constantino. Quer dizer, para emprestar a alguém determinada quantia, dá-se-lhe um cheque mais de sete vezes maior! De fato a Agropecuária Palma Ltda., de propriedade da família Roriz, pagou R$ 271,3 mil, pelo embrião de nelore, à Associação de Ensino de Marília, mantenedora da Universidade de Marília (Unimar), que já esteve envolvida com outro escândalo com recursos públicos. Seu presidente, Márcio Mesquita Serva, já enfrentou problemas com a Justiça: em 2005, flagrado ao usar dinheiro da instituição para obras de construção, compra de jatos e carros importados, foi também condenado a dez anos e seis meses de prisão por sonegar R$ 47 milhões em tributos - sentença lavrada pela juíza substituta Raecler Baldresca da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo -, mas não foi detido.

Na ocasião, o empresário e reitor da Unimar foi considerado um ¿caso exemplar¿, pela Receita Federal, porque se aproveitou da imunidade tributária que é dada a entidades com caráter social, para outros fins. Ele foi acusado de sonegar e utilizar documentos falsos da associação, além de simular despesas pessoais e de sua empresa como se fossem da entidade, que é isenta de pagamento de impostos e contribuições. Como se vê, as práticas ¿heterodoxas¿ em voga, com participação de figuras importantes do meio político, não poupam nem o ensino universitário, em que se geram os conhecimentos essenciais àqueles que, em breve, deverão conduzir, de uma forma ou outra, o País a seu destino.

É verdade que o Senado da República tem outro assunto muito grave para resolver. Mas, pela evolução dos dois casos, até agora, o que temem os brasileiros, que não perderam a esperança de ver a decência prevalecer sobre a imoralidade na vida pública deste país, é que uma indecência venha servir para abafar outra.