Título: Saída de Blair abre espaço para Sarkozy
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2007, Internacional, p. A14

Os jornais franceses estão repletos até a borda de Tony Blair. Sobre os dez anos passados em Downing Street pelo brilhante, volúvel, encantador britânico, nós sabemos tudo. Lemos e relemos o paralelo entre Tony Blair e seu sucessor, Gordon Brown: a história de sua amizade, a conquista do poder. Blair tornando-se premiê e Brown relegado à sombra, mas no comando da economia, mago desta façanha que será a herança da era Blair.

Tivemos direito a retratos psicológicos comparativos dos dois amigos/inimigos. O primeiro, todo elegância, cheio de dentes e sorrisos, à vontade, que em sua louca juventude, em Oxford, era mais apaixonado por suas escalas na guitarra do que pela política. Diante dele, no outro painel do díptico, mostraram-nos um Gordon Brown austero, grave e um pouco triste. A razão dessa austeridade? Ele é filho de um pastor protestante. (Todos os filhos de pastor seriam, então, severos?)

Aprendemos a conhecer o rosto de Gordon Brown talhado em granito, seus ombros largos, sua vasta cabeleira. Infelizmente, logo será preciso reciclar nosso saber porque os tablóides britânicos informam que Gordon Brown está em plena metamorfose: o austero exercita-se na frivolidade. O granito amolece rapidamente. Há três meses, ele foi comprar roupas vistosas e coloridas para substituir seu guarda-roupa cinzento de 'filho de pastor'. E tratou de branquear os dentes!

Para além dessas análises meio frívolas, uma pergunta direta: que lições a França pode tirar dos anos Blair, que permanecem cintilantes, ainda que, manchados pela guerra no Iraque, tenham acabado em derrota?

A inspiração de Blair pode ser importada pela França? Será um modelo exportável para este lado do Canal da Mancha? A pergunta se coloca, antes de tudo, ao socialismo francês. Esse, em plena catástrofe, não faria bem em inspirar-se no exemplo da extraordinária flexibilidade de Blair, um socialista que deixou de lado os velhos dogmas - a luta de classes, o dirigismo - e soube esquecer o século 19 para esposar seu tempo, tirar proveito da globalização, do liberalismo e das conquistas de Margaret Thatcher.

Os socialistas franceses não parecem maduros para isso. O nome de Tony Blair é um insulto para eles. Somente a candidata socialista derrotada nas últimas eleições presidenciais, Ségolène Royal, teve a coragem quase suicida de exaltar a 'terceira via' inventada por Blair. Mas Ségolène...

No fundo, os socialistas franceses sabem muito bem que, se quiserem arrancar seu partido de um naufrágio eterno, terão de adaptar-se à modernidade e reler a experiência de Blair. Só que eles jamais admitirão isso. Na França, as pessoas se estraçalham pelos dogmas. No pior caso, elas colocam esses dogmas numa redoma de vidro. Evidentemente, se os jovens conseguirem afastar os velhos, o Partido Socialista será obrigado a praticar o blairismo, mas ele o fará aos poucos, sem confessar.

Paradoxalmente, o mais apto a aproveitar o blairismo será o homem da direita, o presidente Nicolas Sarkozy. Ele é pouco teórico, como Blair. Pragmático e realista, sua única preocupação é realizar, sacudir a letargia. Como Blair, ele é capaz do sacrilégio político. O socialista Blair mandou a vulgata socialista às favas. Da mesma forma, o conservador Sarkozy colocou socialistas entre seus ministros mais importantes, como Bernard Kouchner nas Relações Exteriores.

Sarkozy não tem o charme de Tony Blair, mas tem uma inteligência temível. Como Blair, ele é uma máquina política bem azeitada, um Fórmula 1. E é movido por uma energia infindável.

Na Europa, a saída de Blair vai deixar um grande vazio. Será que Gordon Brown conseguirá preencher esse vazio? Seja como for, uma coisa é certa, Sarkozy é talhado para ocupar um dos lugares de ponta no concerto europeu pós-Blair. Somente a chanceler alemã, Angela Merkel, pode disputar seu lugar na berlinda.