Título: 'É um debate fechado, dogmático'
Autor: Nunes Leal, Luciana
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2007, Vida&, p. A22

Jandira Feghali: médica e ex-deputada

Ex-deputada que atuou pela legalização critica o Congresso e diz que a sociedade está mais avançada na discussão

Médica especializada em cardiopediatria, a ex-deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) enfrentou, na disputa ao Senado do ano passado, uma forte campanha contra sua atuação pela legalização do aborto. Ontem, foi hostilizada por militantes antiaborto durante a audiência pública.

Jandira é autora do projeto de lei que autoriza o aborto, por opção da mãe, nos casos de até 12 semanas de gravidez e de má formação do feto.

A ex-deputada, de 50 anos, tem dois filhos, é secretária municipal de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia de Niterói (RJ). Depois da audiência pública, ela falou ao Estado.

Ficou surpresa com o panfleto que diz que a senhora tentou esconder sua posição em favor do aborto, distribuído aqui no plenário?

Além da inspiração fascista, é um folheto mentiroso, no mesmo estilo do que distribuíram no Rio durante o processo eleitoral, no ano passado. Na falta de argumento, aparece a mentira. Eu já não valorizo mais.

Esse é um debate apaixonado, não há como evitar aplausos e vaias.

Não é só apaixonado, é dogmático. O debate não se abre nem com os dados da ciência, com os dados da realidade, com os dados internacionais, da própria legislação que avança no mundo. É dogmático, é fechado. A pessoa tem uma visão dogmática, por fanatismo, por convicção, e acabou. Esse é o problema. Não se pode legislar assim, impor uma visão doutrinária e dogmática para uma legislação para a sociedade inteira.

A senhora vê condições de votar o projeto de descriminação do aborto no Congresso?

Acho que o debate está se abrindo, o ministro (José Gomes) Temporão foi importantíssimo nisso. Na sociedade, o tema tem avançado, mas, no Congresso, contraditoriamente, pelo que vi hoje, os deputados, de várias posições, estão muito fechados no debate.

A frente parlamentar antiaborto tem mais de 200 deputados. Isso não mostra a resistência à mudança na lei?

Pode ser um indicativo, mas a lei é muito redonda, muito criteriosa. Acho que, negociando no conteúdo, ela pode evoluir. Pode ser que não se aprove inteira, mas pode ampliar muita coisa. Vai ser um processo de discussão, de negociação e a sociedade vai ter de cair aqui dentro. Não dá para deixar isso no âmbito restrito no debate parlamentar.

O que se fala é que a legalização do aborto vai beneficiar as mulheres pobres e sem instrução. Se o aborto for legalizado, o que garante que elas terão o atendimento no serviço público, se hoje as que querem ter filhos muitas vezes encontram sérias dificuldades na hora do parto?

A mulher pode encontrar dificuldade no atendimento, mas certamente vai ser muito menor do que ela tem hoje. Pelo menos ela terá o direito de fazer. Além disso, é um procedimento curto, rápido, é ambulatorial. Não é como o parto, que precisa de internação, de centro cirúrgico. É diferente de uma internação hospitalar.