Título: A defesa da USP é tarefa de todos
Autor: Vilela, Suely
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2007, Vida&, p. A22

O Portal Eletrônico da Universidade de São Paulo (USP) registrou, até ontem, a publicação de 35 artigos sobre a invasão da reitoria e os seus diversos desdobramentos. Somados aos manifestos, entrevistas e reportagens da imprensa, eles compõem uma avalanche de idéias, avaliações e propostas e constituem, assim, um bom indicador do impacto que esses eventos provocaram dentro e fora da universidade.

Em meio a bons e maus textos, encontra-se ali de tudo um pouco. Há autores que optaram pela glamourização de um movimento estudantil conduzido por minorias e que se utiliza da truculência para impor as suas reivindicações. Outros o defenderam abertamente, sob o argumento de que nesse tipo de embate os fins sempre justificam os meios. Poucos, lamentavelmente, repudiaram a agressão sofrida por uma instituição, que é admirada pela imensa maioria dos brasileiros.

É por isso que, no desfecho desse episódio, não há o que comemorar. Tal como no primeiro dia, as suas cenas finais estiveram marcadas pelos bizarros gestos de euforia e agressividade de alguns, ofuscados pelas fortes imagens de degradação física de uma instituição que fora duramente ferida na sua integridade. Daí a predominância de um indisfarçável sentimento que mistura a indignação e a melancolia de todos nós, que sabemos o quanto perdem a universidade pública e o País a cada vez que ela se torna alvo de ataques desse gênero.

A propósito, é bom que se diga que, sob esse aspecto, o que ocorreu na USP não é exceção, infelizmente. Nos últimos anos, tornou-se corriqueiro no País o emprego de métodos de intimidação para lograr objetivos políticos, tais como as demonstrações de intransigência e o uso da violência, a depredação do patrimônio público e o sistemático desrespeito às leis e normas civilizadas de conduta.

Em guerras de mútua destruição, é inevitável que todos saiam perdedores em alguma medida. No caso da USP, isso se aplica àqueles que se mobilizaram e invadiram, porque sacrificaram as legítimas aspirações dos estudantes no altar de uma posição de intolerância que afrontou indistintamente os demais atores envolvidos.

Assim, tornaram-se alvos de hostilidades os seus próprios colegas, os funcionários e os docentes que deles ousaram discordar, forçando a maioria a recolher-se num constrangido silêncio. No limite, hostilizaram, também, a opinião pública em geral, que desde o início repudiou os métodos empregados pelo movimento e a ele dirigiu o seu sentimento de explícita antipatia. Nesse caso, como não havia meios de retaliá-la diretamente, isso se fez mediante seguidas agressões aos seus ¿porta-vozes¿, isto é, os profissionais da imprensa em geral.

Aos olhos de parte da comunidade universitária e da opinião pública, também se fragilizaram nesse processo a reitora e os dirigentes universitários. Apesar de atingidos pela truculência, dispusemo-nos desde logo ao diálogo e, por isso, não poupamos esforços para conduzir inúmeras e extenuantes sessões de negociações, que foram sempre pautadas por princípios e práticas próprios de um ambiente acadêmico e de uma sociedade democrática. E isso tudo em meio às duras críticas - vindas de todas as direções - que desabaram sobre a equipe da reitoria.

Apesar desse redobrado esforço, a liderança do movimento criticou-nos porque, primeiro, não atendemos à totalidade das suas reivindicações e, depois, porque exigimos a desocupação como condição para retomar a análise das mesmas. Alguns segmentos do corpo docente e parte da imprensa censuraram-nos porque optamos pelo caminho da negociação, quando a seu ver deveríamos ter recorrido desde o início ao emprego da força policial para reprimir o movimento, apesar de cientes das enormes dificuldades políticas e operacionais aí envolvidas. Por parte de outros, fomos acusados de intransigentes porque nos recusamos a continuar as negociações, e isso quando era evidente a necessidade de estabelecer limites diante da acelerada deterioração daquele quadro.

Os fatos demonstram que a estratégia por nós adotada - de apostar no diálogo até o fim - foi a mais correta naquela conjuntura, marcada francamente pelo impasse e por aguda exacerbação dos ânimos. É certo que há os que não concordam com essa avaliação, o que é natural nessas circunstâncias e faz parte do jogo democrático.

Encontramo-nos, agora, envolvidos na sempre difícil tarefa de reconstrução dos tecidos esgarçados com a crise. Ao mesmo tempo, e usando amplamente das nossas prerrogativas, estamos adotando todas as providências para apurar, rigorosamente, os prejuízos ao patrimônio público, decorrentes da invasão, e em relação aos responsáveis serão adotadas medidas legais e de ordem regimental. A universidade não pode pactuar com atos de depredação do patrimônio público, de adulteração e destruição de arquivos eletrônicos, com subtração de bens e outras ocorrências.

Finalmente, não tenho dúvidas que a defesa da USP é obrigação de todos e por isso são merecedores da minha admiração os que se engajam nessa nobre missão. Por outro lado, sei, também, que os reitores são escolhidos para dirigi-la nos bons e nos maus momentos e devem estar preparados para suportar as crises e as críticas pelos seus atos. Por isso, mantenho-me com a consciência tranqüila e a cabeça erguida, disposta a enfrentar esta e outras lutas, porque tenho a plena convicção de que as decisões que tomei nesse episódio estiveram sempre pautadas, exclusivamente, na defesa intransigente dos interesses maiores da Universidade de São Paulo.