Título: Consenso 'frankenstein'
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2007, Economia, p. B2

A lambança provocada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) ao anunciar terça-feira a mudança na política de metas de inflação não se restringiu ao 'tilt de comunicação', como sugeriu o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. O resultado, que poderia ser claro e simples, foi e continua confuso.

Como foi adiantado na coluna de ontem, a decisão foi adotar o sistema vigente na Nova Zelândia, Austrália e Israel, onde não há um centro de meta de inflação a ser perseguido pela política monetária, mas uma banda com piso e teto dentro da qual enquadrar a inflação. Para o Brasil, essa banda passou a ser o intervalo de inflação entre 2,5% e 6,5% para os anos 2008 e 2009.

No entanto, em vez de assumir que qualquer inflação dentro desse intervalo está dentro do programado, o CMN avisou que o Banco Central tem mandato para perseguir uma inflação abaixo do centro dessa meta, que se supõe seja 4%.

A impressão que ficou é a de que os membros do CMN deixaram de dar a mesma importância à política de gerenciamento de expectativas na obtenção da eficácia da política monetária. Ao divulgarem que o centro da meta informal (4%) prevalecerá sobre a meta formal (4,5%), introduziram elemento de confusão, inadmissível em situações assim. Os formadores de preços têm agora duas referências para ancorar suas expectativas e, de quebra, lidar com o fato de que a inflação tende a ficar abaixo das duas.

O CMN optou por manter os intervalos de tolerância de 2,0% com um centro formal de meta fixado em 4,5%. Como, no entanto, o Banco Central estará perseguindo uma meta abaixo desse centro matemático, segue-se que o intervalo inferior da meta acaba sendo, de fato, de 1,5% e o intervalo superior, de 3,0%.

Uma das explicações capengas para a anomalia é a de que a lei exige a explicitação de uma meta formal. Se o Banco Central tem mandato para perseguir uma meta de 4%, seria natural definir esse centro também como meta de 2009. Mas, o CMN preferiu outro caminho.

Outra explicação para isso é a notória dificuldade do governo Lula em lidar com conflitos. Em vez de bater o martelo por uma das propostas, resvalou, como é de seu hábito, para a busca de consenso onde não é possível. O resultado é um consenso frankenstein, como o desta terça-feira.

Há pelo menos três meses havia duas propostas em exame. O ministro do Planejamento e o presidente do Banco Central defendiam uma meta de 4%, baseados no pressuposto de que a inflação de fato está na casa dos 3% há dois anos. O ministro da Fazenda pretendia manter 4,5%, que, em princípio, ajudariam a derrubar os juros mais depressa.

Em vez de dirimir o conflito, a obsessão pelo consensual levou o CMN a optar por uma coisa retorcida, semelhante ao tratamento também supostamente consensual, mas confuso, que o presidente Lula deu ao longo de seis meses ao caso dos controladores de vôo: o de que se mantivessem na condição de sargentos liberados para a prática sindical.

Coisas assim têm conseqüência e preço.